Fake
De onde parte essa onda de fake news, versões, simulações e
dissimulações que se espraia durante a epidemia? Nunca se ouviu tanto disse me
disse, essas invencionices pelas redes sociais, gravações de conversas, vídeos
editados, vazamentos de mensagens, envolvimento de policiais, de juízes e
procuradores.
Fragmentos dos últimos dias: Bolsonaro tentando interferir
na PF; uma desastrada reunião, farta de palavrões; hordas bolsonaristas
agredindo jornalistas e portando faixas contra Legislativo e Judiciário;
pedidos de prisões para ministros do Supremo; ações policiais sob viés
político, uma profusão de informações e falsidades.
Onde estará a verdade? Ou, o que é verdade?
O fingimento faz parte da nossa cultura e se expande com a
polarização. Mas fingir parte de nossa índole. Nosso folclore político, por
exemplo, é farto em matéria de esperteza.
Sebastião Nery narra um exemplo: “José Maria Alkmin, mestre
da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A
Alfândega quis saber.
– Água milagrosa de Fátima.
– Mas tudo isso, doutor Alkmim?
– Sim, o pessoal de Minas acredita muito nos milagres de
Fátima.
– O senhor pode desenrolar?
– Pois não, meu filho.
– Mas, deputado, isso é uísque.
– Ué, não é que já se deu o milagre?
A matreirice faz parte do cotidiano das pessoas. A
invencionice em nossa cultura anda sofisticada. Mergulhamos em meias verdades,
mentiras e lorotas escalando uma montanha de pistas falsas.
O fato é que a história da política é rica em simulação e
dissimulação. O cardeal Mazarino, ministro de Luis XIII, ensina em seu
Breviário dos Políticos: “age com os teus amigos como se devessem tornar
inimigos; o centro vale mais do que os extremos; mantenha sempre alguma
desconfiança em relação a cada pessoa; a opinião que fazem de ti não é a melhor
do que a opinião que fazem dos outros; simula, dissimula, não confies em
ninguém e fala bem de todo mundo. E cuidado. Pode ser que neste exato momento,
haja alguém por perto te observando ou te escutando, alguém que não podes ver”.
A descrição cai bem ao país. Até parece que os “inventores
de causos” nas redes sociais aprenderam com Nicolau Eymerich, frade espanhol
que, em 1376, escreveu em seu Manual dos Inquisidores”: falar sem confessar;
responder às perguntas de maneira ambígua; responder acrescentando uma condição
(acredita em Deus? Se ele existe…); inverter a pergunta; fingir-se de surpreso;
mudar as palavras da questão; deturpar o sentido das mensagens; auto
justificar-se; fingir debilidade física; simular demência ou idiotice e até se
dar ares de santidade.
Hoje, demônios se disfarçam de santos.
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