Em seus 500 dias de Governo já se disse de tudo sobre o
presidente de extrema direita, o capitão reformado Jair Bolsonaro. E, entretanto, sua verdadeira personalidade
ainda é um mistério. Sobre ele já opinaram de psiquiatras a cientistas políticos e historiadores e ainda
continuamos sem conhecer realmente a verdadeira periculosidade do personagem.
Ele, que sempre foi um obscuro político sem relevância,
célebre, de todo modo, por suas grosserias contra os diferentes e as mulheres, é hoje
examinado, já no comando da República, sob os traços mais obscuros de sua
personalidade. A psicologia o descreve como um paranoico com complexos de inferioridade
e fúrias destrutivas de morte, e os políticos como um personagem
menor com desejos de vingança por ter passado 30 anos na sombra.
Assim se explica sua ambição exorbitada e sua fome de poder
e de querer demonstrar que desta vez verdadeiramente o tem. Só que ele não entendeu que esse poder é compartilhado e que ele
é responsável somente por presidir um país ao lado das outras instituições
independentes do Estado. De ser nada passou a sentir a onipotência bater a sua
porta e está se revelando como um cavalo descontrolado que quanto mais acossado mais coices dá. Mostra arroubos
de valentia quando é criticado e se reveste de uma autoridade que não lhe
pertence. E chega a proclamar como os velhos ditadores do passado, tantas vezes
personagens complexados na vida, “eu sou a Constituição”, e “sou eu quem manda”
e “as Forças Armadas estão sob meu comando”. E “eu quero o povo armado nas ruas”. Onipotência descarada e
simplista que só pode conduzi-lo ao fracasso e levar o país ao abismo.
Não restam dúvidas de que na História sempre foram
personagens complexados que, para demonstrar sua força, infringiram
descaradamente todas as regras mais elementares da democracia para dar vida
a experiências totalitárias que acabaram ensanguentando o mundo.
Acho que hoje sobre o presidente brasileiro há algo claro e é que parece
disposto a tudo, até a pisotear os valores da convivência com suas fúrias de
poder.
Tivemos dias atrás mais uma amostra de seu viés não só
autoritário como golpista após a reação à publicação por ordem do Supremo do
vídeo já tristemente célebre da reunião ministerial de 22 de abril no qual aparecem
ele e seus ministros mais ideologizados despidos de dignidade e ameaçando outras instituições, enquanto se esqueciam
vergonhosamente do drama que o país está vivendo pelos efeitos da epidemia
cujos mortos já nem encontram cemitérios para ser enterrados.
O vídeo deixou em evidência não só a mediocridade e o baixo
calão do presidente e de seus principais ministros, mas também o perigo que
significa uma nação da envergadura do Brasil ser governada por um punhado de
pessoas sem empatia à dor e que ameaçam levar o país a uma nova aventura
militar.
O conciliábulo deixou o país atônito, envergonhado e atemorizado
ao ouvir da boca do presidente da nação, além de um rosário de palavras
vulgares, que seu desejo é contar com uma população armada nas ruas. Para quê?
Para matar? Para dar vida a uma guerra civil entre irmãos? Chegou ao sarcasmo
de afirmar que o povo armado é o melhor antídoto contra a ditadura.
Era de se esperar que após o opróbrio público daquelas cenas
de política obscena da reunião, o presidente Bolsonaro desaparecesse por uns
dias na sombra envergonhado e com medo das consequências judiciais do encontro.
Isso significaria, entretanto, não conhecer o personagem que como o touro
quando recebe as bandeirolas do toureiro se enfurece ainda mais. Desse
modo, apareceu em público antes de 48 horas para se
encontrar com seu grupo fanático de seguidores que todos os domingos se juntam
em frente ao palácio presidencial para aplaudi-lo e gritar palavras de ordem a
favor de uma intervenção militar e contra as outras instituições do Estado.
Dessa vez foi possivelmente mais grave porque Bolsonaro
apareceu ao lado do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança
Institucional. O presidente se sentiu tão seguro ao lado do general que dessa
vez nem sequer se preocupou em pedir aos seus seguidores que retirassem os
cartazes golpistas. Não só não teve uma palavra de pesar pelo rio de vítimas que todos os dias estremece o país, como fez
questão de quebrar todas as normas contra o coronavírus ditadas pelas
autoridades médicas e pelos governadores e se misturou às pessoas abraçando-as
sem máscaras e sem escrúpulos.
Nessa mesma hora, como para rubricar um ostensivo apoio de
uma parte do Exército às suas tentações golpistas, um grupo de 89 militares da
reserva da Agulhas Negras, onde Bolsonaro se formou como paraquedista e de onde
foi expulso por seus devaneios terroristas da época, publicou um documento de
apoio ao presidente no qual chegam a fazer alusão a uma possível “guerra civil”
caso o velho capitão hoje reformado não for obedecido.
Os que chegaram a pensar que os nove ministros militares do Governo e os mais de 2.000 militares
colocados nos outros escalões do Estado poderiam servir de freio para deter as
tentações autoritárias do presidente, começam a perder a esperança, já que a
cada dia se revelam mais alinhados com ele e lançando ameaças claras de um
golpe militar.
Tudo isso agravado pela decisão de Bolsonaro de conquistar com cargos e benefícios a parte mais
repugnante e corrupta do Congresso, o chamado “centrão”, que é formado por
muitos políticos ainda com processos nos tribunais. Para quem venceu as
eleições em boa parte por sua promessa de acabar com a velha política e suas
práticas corruptas, esse novo casamento com os partidos mais envolvidos em escândalos de
corrupção, esse se jogar nas mãos da parte mais podre do Congresso, não
pode deixar de aparecer como um sarcasmo e uma chacota aos seus eleitores.
Talvez o Brasil esteja perto de entrar em um dos piores
momentos de sua história pelo afã do presidente de reviver velhos fantasmas
autoritários inimigos dos valores democráticos que no passado só criaram fome,
miséria e desprezo à cultura.
É urgente que o Brasil e suas forças democráticas, deixando de lado suas lutas partidárias, se unam para deter o cavalo descontrolado das velhas saudades autoritárias, já que acredito que restam poucas dúvidas de que Bolsonaro chegou para ficar e que a cada golpe recebido levanta a cabeça com mais orgulho ferido. E que nele não existem limites e cercas capazes de distinguir entre civilização e barbárie. E ainda mais acreditando-se enviado e iluminado por Deus. Por fim, da mesma forma que todos os déspotas da História.
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