Fato novo de verdade será se o recato atual de Jair
Bolsonaro, ainda breve, tiver vindo para ficar. À luz da história de ascensão
do bolsonarismo como fenômeno reacionário com ímpeto para a ruptura e ante a
forma beligerante como esse projeto autocrático se expressou uma vez no poder:
duvido. Porque a permanência do “Jairzinho Paz & Amor” equivaleria à
inanição da base social — a sectária — que o sustentou até aqui, e que depende
de conflitos constantes e da forja de inimigos artificiais para existir. A rigor:
falo de um modo de existência por meio do qual a persona pública Bolsonaro
existe.
Tomaria ele o risco de prescindir da parcela da sociedade —
cerca de 15% — que lhe garante um piso de partida competitivo e que o tem
apoiado de maneira irrestrita? E tomaria pelo quê?
Mais prudente seria supor que se trate de silêncio
circunstancial condicionado por ocorrências recentes — um presidente de súbito,
e brevemente, convertido à República sob a pressão das apurações policiais.
Refiro-me, antes de qualquer outro, ao caso Queiroz; que
caso Queiroz não é — ao menos não prioritariamente. O caso Flávio Bolsonaro,
pois; em cujo gabinete, sempre extensão do escritório do pai, operava-se o
esquema de rachadinha em função do qual o ex-assessor foi preso — e que tem investigado
se o dinheiro levantado pelo caixa paralelo haveria financiado empreendimentos
imobiliários da milícia.
Esta me parece ser a principal razão para o silêncio.
Bolsonaro sabe que perderia o apoio dos militares se ficasse comprovado um grau
de conexão de sua família com milicianos para além das relações já conhecidas
nas modalidades de homenagens legislativas e empregos a parentes. Não me parece
que um general como Braga Netto, que comandou a intervenção federal na
segurança pública do Rio de Janeiro, topasse tocar — ainda que apaixonado pelo
espírito milagreiro de um Pró-Brasil — o programa desenvolvimentista
pós-pandemia com o filho do chefe denunciado por associação econômica a uma
organização criminosa.
Milícia seria o limite para os fardados, mesmo que esses
flexíveis ora no Planalto.
Outra explicação para o silêncio transitório seria a dupla
de inquéritos que correm no Supremo sob relatoria de Alexandre de Moraes;
notadamente aquele dito das Fake News. Proponho ao leitor considerar que essa
investigação seja o agente, o marca-passo, que dita o ritmo das reações do
presidente — o que, sim, coloca-o em posição passiva. Até quando? Por quanto
mais?
Trabalho com esta tese: a de que Bolsonaro teria,
momentaneamente, perdido o condão de dar as cartas e pautar o debate; daí por
que o silêncio. Não creio ser arranjo duradouro tanto quanto acredito que o
rompimento dessa autocontenção venha com barulho. Questão de tempo até que
arrebente.
Não é quadra simples. À espera do próximo movimento de
Moraes, Bolsonaro estaria acuado, condição explosiva para alguém de sua
natureza, e ao mesmo tempo aliviado — talvez iludido — pela sessão do STF que
declarou a constitucionalidade do inquérito ter-lhe também limitado o objeto,
em seguida ao quê se poderia esperar diligências menos agressivas. Será?
Ele aguarda. É espera precária. Difícil apostar na duração
do Bolsonaro passivo; sobretudo porque — retomo — a continuidade de seu
silêncio, tanto mais se ligado à ideia de que se deixara tutelar, significaria
fazer minguar o grupo militante que lhe dá chão qualquer que seja a crise, mas
cuja fidelidade depende das guerras fabricadas contra o establishment.
Note-se que influentes vozes do bolsonarismo — como Filipe
Martins, depois de meses de pouca exposição — têm se manifestado, desde dentro
do Planalto e não sem alguma insatisfação, para cobrar senso prático da
militância diante do que seriam os limites de ação do presidente. Há algum
temor aí, materializado na chegada do outrora criminalizado centrão e na
debacle de Weintraub; temor lastreado em hipótese formulada assim: ainda que
improvável, dado que arriscadíssima, não se poderia descartar a possibilidade
de que Bolsonaro — radicalizando a troca de pele — testasse o campo para
abandonar sua base social mais antiga.
Ele talvez considere ter exemplos de sucesso para
encorajá-lo. Perdeu Mandetta e Moro, com prejuízos na classe média; danos, no
entanto, que conseguiria compensar — mantendo estável o patamar de aprovação —
com os efeitos do auxílio emergencial aos mais pobres. Este progresso continua.
Bolsonaro avança, inclusive no Nordeste, e talvez o cálculo projete que a
implementação do Renda Brasil, perenizando a ajuda, e englobando e ampliando em
muitos milhões a população coberta pelo Bolsa Família, dar-lhe-ia a gordura para
precisar progressivamente menos da porção autoritária de seu populismo.
Duvido — repito. Mas: quem tem cargo tem medo antes; e por motivos outros.
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