O presidente Jair Bolsonaro costuma dizer que assina os
documentos da Presidência com uma caneta Bic. Foi assim no termo da sua posse
no cargo em janeiro de 2010 e segue nos dias atuais.
A pandemia da covid-19 encheu de tinta a caneta presidencial
com bilhões de reais para gastos. São valores tão altos que muito provavelmente
Bolsonaro não teria condições de assinar até o final de um eventual segundo
mandato, caso consiga a sua reeleição para qual já está trabalhado desde agora.
Passados 20 meses de governo e cada vez mais confortável com
a sua Bic, o presidente parece estar caindo na tentação que acomete muitas
autoridades que desembarcam em Brasil. A de que a sua caneta pode tudo.
Não pode.
Quando essa visão chega à esfera orçamentária e o bom senso
vai embora, o perigo ronda e acende os sinais de alerta da burocracia estatal.
O exemplo mais recente tem sido a discussão enviesada que
tomou conta do Orçamento de 2021 na Junta de Execução Orçamentária, que define
as diretrizes para a destinação e depois execução das despesas aprovadas pela lei
orçamentária.
Primeiro foi a tentação de usar recursos via o orçamento de
guerra da pandemia da covid-19 para bancar investimentos em obras de
infraestrutura e outras tentativas para poder liberar mais dinheiro até o final
do ano, quando as regras fiscais estão suspensas por conta do coronavírus.
Agora, o que se vê é a estratégia de reforçar a todo custo o
orçamento do Ministério da Defesa em detrimento de outros gastos em áreas mais
importantes, como saúde e educação.
Se não bastassem os gastos com a reformulação das carreiras
militares, o presidente determinou um aporte ainda maior do já turbinado
orçamento da Defesa. Como? Adiando o censo de 2020 previsto para 2022.
São cerca de R$ 2 bilhões a mais a custo sem precedentes
para o trabalho de pesquisa do IBGE, o planejamento das políticas publicas e a
transferências de recursos para Estados e municípios. A contagem populacional é
determinante para a repartição. É bom lembrar que o censo, previsto para esse
ano, já tinha sido adiado para 2021.
O risco de um novo adiamento, sem uma justificativa
plausível, certamente pode levar a uma judicialização dos municípios que se
sentirem prejudicados.
Como explicou o presidente do IBGE, distribuição do FPM
(Fundo de Participação dos Municípios) está congelada esperando o censo de 2020.
“Isso é muito grave porque o censo de 2022 só vai ter resultado em 2023. Vai
ter 13 anos sem nenhuma informação demográfica ”, disse o ex-presidente do
IBGE, Roberto Olinto, ainda incrédulo com tamanha audácia do governo de fazer
essa proposta, revelada em reportagem do Estadão dessa semana.
O que chamou atenção na decisão de ampliar em R$ 2,27
bilhões o orçamento para a área militar foi o comunicado da ampliação do
Orçamento para os militares foi feito pelo secretário de Orçamento do
Ministério da Economia, George Soares, em ofícios nos quais afirma que os
pedidos foram feitos por Bolsonaro.
Quem conhece a burocracia de Brasília sabe que esse foi um
ato de cautela e cuidado com assinatura da sua caneta Bic. Depois dos inúmeros
processos abertos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no rastro das manobras
contábeis da ex-presidente, conhecidas como pedaladas fiscais, que atingiram
servidores da elite do funcionalismo, ficaram muitas sequelas.
As carreiras que compõem o Ministério da Economia,
diferentemente da maioria de outras carreiras existem há muito tempo com
servidores que foram recrutados em concursos muito difíceis, com os da Receita,
Tesouro e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Um técnico experiente, por exemplo, não foi condenando por
que tinha registrado nos seus e-mails todas as advertências feitas ao seu
superior, o ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin. Na época, os técnicos se
rebelaram numa reunião, como está relatado no livro “Perigosas Pedaladas” do
jornalista João Villaverde. Muitos desses processos ainda estão em andamento.
Um deles com resultado recente, cinco anos depois das pedaladas.
Com certeza é de se imaginar que outras canetas Bic estão
dando alertas ao presidente.
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