O Brasil, palco recorrente da esperteza política para
engabelar incautos eleitores, presencia agora as artimanhas de um capitão para
se tornar popular. Ou melhor: populista, no manjado ardil de distribuir
benesses em troca de votos. Jair, o Messias, Bolsonaro faz isso à luz do dia,
de maneira escancarada, em plena campanha pelas urnas (mesmo faltando mais de
dois anos para o desafio da reeleição), enquanto o País é castigado pela morte
à espreita e implacável de uma pandemia que não cessa e contra a qual o governo
nada faz. O “mito” da conversa fiada e mal intencionada realiza o movimento não
apenas em incursões atemporais aos rincões do Nordeste. Parte para o escambo
imoral, diante da dor lancinante de famílias às milhares e da falta de recursos
dos menos favorecidos, que não têm como aguentar a fome e respondem
resignadamente a qualquer convocação em troca de um auxílio emergencial que é
obrigação do Estado, mas que vem sendo ofertado em nome de um apoio lá na
frente ao mandatário disfarçado de benfeitor de ocasião. Bolsonaro está em
campo. Regateando o voto de cabresto. Parece gostar da ideia de se travestir de
um Robin Hood dos pobres. Inventou a lorota de fazer o maior programa
assistencial do mundo, o “Renda Brasil”, na verdade uma reembalagem desavergonhada
do antigo Bolsa Família, talvez com mais recursos que pretende tirar sabe-se lá
de onde. Curiosa metamorfose. Bolsonaro, logo ao assumir, dizia ser o Bolsa
Família algo para “comprar o voto do idiota”. Uma maneira, no seu entender, de
“tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda”. Agora planeja
conceber uma versão ainda mais ampla, em situação de caos das finanças
públicas, e anota essa como uma espécie de grande realização administrativa de
seu mandato.
Então, tomando por empréstimo as palavras do próprio, tudo
indica que ele saiu mesmo a “comprar o voto do idiota”. Bolsonaro deseja, é
certo, garantir-se no poder. A qualquer custo. Vale recorrer até ao
inimaginável nesse sentido. Qualquer sacrifício. Inclusive o da
confraternização com quem normalmente lhe seria desprezível. De novo na longa
ficha de desaforos e ignomínias lançados pelo capitão: quem não recorda de
quando ele se referiu aos nordestinos como “paraíbas”, na adjetivação jocosa e
preconceituosa? O capitão, precisando jogar para torcida, agora se lança nos
braços dos “paraíbas”, já tratados por ele como “meu povo”. O mandatário não
mudou. Segue professando as mesmas barbaridades ideológicas e os mesmos planos
de retrocesso autoritário, típicos de um caudilho. Apenas aprendeu a disfarçar.
Orientado a se calar, obedeceu e entendeu a vantagem. No paralelo, topou se
lambuzar nos acertos espúrios com a ala fisiológica do Centrão. Vem logrando
êxito também nessa esfera. Distribui cargos, verbas, autarquias. Entrega o
dinheiro do povo e recebe o apoio de uma base carcomida. Egresso do baixo
clero, Bolsonaro mergulhou de vez na sarjeta da política. Mas deve acreditar
que os fins justificam os meios. Sonha em vender-se como um “salvador da
pátria”. E segue metodicamente a cartilha. Para um líder carismático a
imprecisão, por exemplo, é algo valioso. Bolsonaro não gosta de explicar.
Debater. Argumentar. Apenas catequizar, com a técnica de ideias personalistas
para ser visto como essência de um movimento. Grita platitudes políticas rasas
e simples (como a da “ameaça dos esquerdopatas”), faz reivindicações nada
válidas, entre as quais a do fim dos radares móveis nas estradas. Mas o
discurso enfático e repetitivo inebria fanáticos em geral. O bolsonarismo
cresce na polarização. Falar de uma guerra imaginária contra o comunismo – seja
lá o que queira dizer com isso hoje — funciona de alavanca. Está nos anais da
história. A briga do nazismo contra esse mesmo comunismo (vale lembrar!) acabou
por conduzir Adolf Hitler ao poder, em meio ao crash de 1929. País em crise,
sindicalistas nas ruas reclamando direitos, o povo passando fome e o Fuhrer
aproveitou para pregar uma nova Alemanha sob a sua liderança. “Nossos
opositores querem destruir o país”, dizia — algo nada diferente do que é
entoado por aqui hoje. A Alemanha multifacetada politicamente por 30 partidos
não oferecia resistência àquela onda e as pessoas famintas e desesperadas
ansiavam assim por um salvador, que hipnotizou e arrebanhou seguidores
desesperados à causa. O mentor da comunicação nazista, Joseph Goebbels definia
assim o adorado líder: “Hitler está acima das maquinações e eu o amo dessa
forma: simples, infantil, mas autêntico”. A elite alemã, mais assustada com o
comunismo do que com aquele pitoresco orador Hitler, se deixou levar. Numa visão
distorcida da realidade, acabou convencida de que aquela pantomima, que gritava
contra judeus e comunistas, carregava uma força mística e carismática capaz da
transformação que desejavam. Ali desapareceu a democracia. Hitler, encarado
como um Messias, foi de chanceler a ditador. Em um filme fake news, onde
maquiava aberrações e as convertia em avanços, batizado de “O triunfo da
vontade”, fez a cabeça de uma geração. E segue servindo de referência em muitas
ocasiões. Recentemente, o governo Bolsonaro, na propaganda publicitária
elaborada pela Secretaria de Comunicação (SECOM) e lançada em meios aos
impactos da Covid-19, chegou a incitar que “o trabalho liberta”, parafraseando
o lema estampado no portão do infame campo de concentração de Auschwitz. Um dos
secretários de Cultura do capitão, Roberto Alvim, depois demitido, chegou a
encenar um espetáculo grotesco, imitando o ministro nazista Goebbels. E o
próprio filho Eduardo Bolsonaro, tentando provocar uma espécie de campeonato
ideológico doente, já disse que o comunismo era pior que o nazismo. Só é,
portanto, deslocado de tempo e espaço o paralelo que se percebe nos dois
movimentos. Messias Bolsonaro, em pessoa, numa visita a Israel, profanou a
memória dos perseguidos buscando misturar as duas coisas. Disse ser o nazismo
uma espécie de comunismo. Na ideia da narrativa distorcida, falsa, ilusória,
reside o maior trunfo do cinismo populista. Hitler, também encarado por alguns
como uma espécie de messias, montou mais que uma legião, criou uma religião e
virou dela o profeta do apocalipse, o populista da mentira. Bolsonaro das
paragens tropicais vai ampliando o latifúndio de obreiros de uma seita sem
causa. Quer ser venerado. Por nada. Não governa, não realiza, não constrói, nem
desenvolve uma nação. Mas pontifica como “salvador”. Típico dessas figuras. Não
para menos, o decano da Suprema Corte, Celso de Mello, comparou o Brasil dos
dias atuais à Alemanha hitlerista, dado que nos dois países o ódio à democracia
e a ode ao populismo, na pretensão de instaurar uma “abjeta ditadura”, seguiu
seu curso. “Guardada as devidas proporções, o ‘Ovo da Serpente’, à semelhança
do que ocorreu na República de Weimar, está prestes a eclodir no Brasil”. Que a
sua profecia não se realize.
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