Num sábado de carnaval, um major e um capitão arrombaram o
depósito de munições da Base Aérea dos Afonsos, no subúrbio do Rio. Os dois
levaram armas e explosivos até um bimotor Beechcraft. Com o avião carregado,
decolaram rumo ao sul do Pará para iniciar um levante contra o governo.
A dupla de aloprados queria derrubar o presidente Juscelino
Kubitschek, que havia acabado de tomar posse. O plano era organizar um exército
de índios e caboclos e articular o golpe a partir da selva amazônica. A Revolta
de Jacareacanga teve vida curta: começou e terminou em fevereiro de 1956.
Depois de 64 anos, a Aeronáutica volta a se enrolar na cidade paraense.
Na quinta-feira, o Ministério Público Federal abriu
investigação por improbidade administrativa no uso de um avião da FAB. A
aeronave pousou em Jacareacanga no último dia 5, a pretexto de apoiar o combate
à mineração ilegal na terra indígena Munduruku. Na manhã seguinte, decolou para
Brasília com sete garimpeiros a bordo.
“A lei proíbe o garimpo em terras indígenas. O avião da FAB
foi usado para transportar criminosos”, resume o procurador Paulo de Tarso
Moreira Oliveira. “Essa terra indígena já sofria com invasões. Agora há um
avanço desenfreado, impulsionado pela valorização do ouro e pelo discurso de
cumplicidade do governo”, acrescenta.
Na véspera do voo para Brasília, os garimpeiros se reuniram
com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Após o encontro, o governo
suspendeu a Operação Verde Brasil 2, que deveria reprimir os crimes ambientais
na Amazônia.
Em ofício ao MPF, o Ministério da Defesa afirmou que a
Aeronáutica transportou “lideranças indígenas” para “tratativas com o
Ministério do Meio Ambiente”. A versão é contestada por associações que
representam os munduruku. As entidades afirmam que o cacique-geral da etnia não
autorizou a viagem e que o grupo não fala em nome dos povos locais.
“Os passageiros do voo não eram líderes indígenas, eram
garimpeiros. Os índios estão frustrados com o fracasso da operação. Muitos
deles já sofreram ameaças de morte”, conta o procurador Oliveira. Ele afirma
que os donos das máquinas são brancos e aliciam parte dos locais com a
distribuição de dinheiro e de cestas básicas.
O clima na região é tenso. Há duas semanas, a Polícia
Federal apreendeu veículos e computadores usados pelos mineradores. Agentes do
Ibama chegaram a destruir equipamentos da quadrilha. Em represália, garimpeiros
ameaçaram derrubar um helicóptero usado pelos fiscais.
“Estamos falando de uma milícia que cooptou indígenas e se
sente estimulada pelo governo”, diz o ambientalista Danicley de Aguiar, do Greenpeace.
“O garimpo compromete o modo de vida dos povos tradicionais, destrói a floresta
e contamina os rios da região. E tudo está sendo feito com a omissão do Estado
brasileiro”, critica.
O presidente Jair Bolsonaro não disfarça. Já assinou projeto
para abrir as terras indígenas à exploração mineral. Enquanto o Congresso faz
cara de paisagem, o ministro Salles tenta passar sua boiada ao arrepio da lei.
Falta explicar por que a Aeronáutica aceitou se misturar a essa agenda de
destruição.
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