Jair Bolsonaro lembra um daqueles monstros ou vilões de
filmes juvenis de ação, que se fortalecem quanto mais tiros levam, que se
revigoram no caos e na destruição e assim se reerguem das ruínas. Parece a mão
do morto-vivo que rebrota da terra na madrugada do cemitério nevoento.
Seus adversários e inimigos têm ficado pelo caminho: os
panelaços, os manifestos dos letrados, a “frente ampla”, as torcidas de futebol
nas ruas, os pedintes de impeachment, os cientistas, os ambientalistas, Luiz
Mandeta, Sergio Moro, os indignados com o morticínio.
Quem impõe limites a Bolsonaro e impede seus atos maiores de
desgoverno acaba por ajudá-lo. Em meados de junho, no pico da sua
impopularidade e da onda de comícios golpistas, prenderam o gerente da boca de
rachadinha da família, Fabrício Queiroz. Acabou por ser uma vitória acidental.
O caladão que lhe foi em parte imposto pelo que resta de
República, os dinheiros dos auxílios emergenciais e a reabertura avacalhada da
economia recuperaram Bolsonaro. Além da complacência de Justiça e polícia,
apareceram mais boas notícias.
O emprego formal está no nível mais baixo desde que se tem
registro, desde 2013, mas voltou a subir em julho. A massa (soma) de salários
também. Quanto mais aumentar, menos notável e dramático será o fim do auxílio
emergencial, lá pelo fim do ano. Nesta segunda-feira, todos os shoppings do
país estarão reabertos.
A semana que passou começara com o que parecia uma derrota
no Senado. Mas a Câmara ratificou a decisão do presidente de vetar qualquer
reajuste de servidores até o final de 2021. Deu-lhe 316 votos, quase o bastante
para aprovar um remendo da Constituição. Ou seja, “o sistema” quer governar
para Bolsonaro, tocar esse programa reformista do establishment. O presidente
atrapalha, mas se beneficia.
O governo era contra auxílios emergenciais em geral (dizia
que a economia decolaria contra o vento contrário cheio de vírus do mundo).
Bolsonaro queria liberar reajustes para certos servidores, em particular
policiais. Jamais defendeu ou entendeu controle de gastos; na miúda, tenta
burlá-lo.
O país se acostumou aos mil mortos por dia. Até pela
natureza bárbara das epidemias duradouras, o número de doentes e mortes deve
diminuir a partir de setembro. A doença comprida terá prejudicado a retomada
mais precoce da economia, mas isso é uma abstração para o povo na rua. Daqui em
diante, a carnificina será cada vez menos notada, embora atroz. O Brasil
voltará a sua rotina de violência aberrante, com uma causa mortis a mais,
apenas. A indiferença ao morticínio é uma vitória da mentalidade bolsonariana.
O juro baixo do mundo rico nos ajuda. Na média, o comércio
volta ao azul, apesar da destruição imensa em vários setores. O real
desvalorizado faz o progresso de regiões exportadoras. Até o gasto menor em
viagens internacionais ajuda a movimentar partes da economia.
Sim, estamos na pior recessão da história, a convalescença
terá sequelas e ninguém sabe dizer como reagirá a economia a um ajuste fiscal
abrupto em 2021. Mas centenas de bilhões de reais e auxílios, cortesia de
sociedade, atenuaram e atenuarão dores e horrores. Ponto, porém, para
Bolsonaro.
O presidente já foi descrito como um parasita político pelo
filósofo Marcos Nobre, nas páginas desta Folha. Quer destruir o “sistema”, a
“velha política” e a “esquerda”, todos que discordam dele, a quem atribui as
desgraças do país. Mas se vale do “sistema” que resiste e funciona, apesar do
seu desgoverno.
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