Com o protagonismo ainda maior adquirido pelo Supremo
Tribunal Federal em tempos de revisão da Lava Jato e de freios nos arreganhos
autoritários de Jair Bolsonaro, foi desencadeada uma bizarra corrida pelas duas
cadeiras de ministros que vão vagar no intervalo de um ano. Vale tudo para
demonstrar lealdade ao presidente e ser digno da canetada da sua Bic.
Pelo menos três atores têm sido pródigos em mostrar serviço
na expectativa de serem premiados com a cobiçada toga. A briga pelos lugares
dos “Mellos”, Celso e Marco Aurélio, tem produzido decisões em que o direito é
torcido e retorcido, com graves consequências políticas e institucionais.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado por
Bolsonaro ao arrepio da lista tríplice e à revelia dos seus pares, é um deles.
A última da PGR sob seu comando foi produzida pelo seu vice, Humberto Jacques
de Medeiros: o parecer favorável ao foro privilegiado retroativo para Flávio
Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz.
Medeiros também tem expectativas com a “corrida da toga”: se
for Aras o agraciado agora em novembro, são grandes as chances de Bolsonaro
designá-lo para o seu lugar.
O fundamento para aliviar a barra de Flávio contrasta com o
que o próprio Medeiros usou em outra recente decisão polêmica: a de que
requisitar documentos da Lava Jato de Curitiba. Agora ele argumentou que Flávio
pode ter seu caso levado para o TJ do Rio porque a decisão do STF em contrário
não era vinculante. Na outra, pegou um precedente aleatório para justificar a
requisição de dados, sem evocar a necessidade de “aderência”. Um direito para
cada ocasião.
Aras deu parecer contrário a buscas e apreensões contra
bolsonaristas no inquérito do STF. Agora, no caso Wilson Witzel, o Ministério
Público Federal pediu o afastamento de um governador e ele foi acatado por um
ministro do STJ de forma monocrática.
Qual a linha da PGR? Depende da circunstância e do alvo?
O próprio STJ, aliás, virou palco auxiliar da corrida pela
vaga no tribunal mais prestigiado. Basta lembrar do “canto do cisne” de João
Otavio de Noronha na presidência da Corte: mandar Fabrício Queiroz para a
prisão domiciliar por uma liminar no meio do recesso. Noronha é outro que tem a
expectativa de ser agraciado por Bolsonaro.
Mais próximo do presidente está o ministro da Justiça, André
Mendonça, que se transformou em tudo aquilo que Bolsonaro queria que Sérgio
Moro fosse, mas o ex-juiz não quis.
A Advocacia-Geral da União, que ele chefiava antes, continua
sendo uma subsidiária de sua linha de trabalho, e a pasta da Justiça virou um
misto de advocacia particular do presidente e agência de espionagem de seus
inimigos, em procedimento para o qual a maioria dos ministros do STF passou uma
reprimenda, mas aliviou a barra do postulante a colega.
E aí há um aspecto importante: os 11 ministros do Supremo
têm dado sinais ambíguos quanto à defesa da institucionalidade e aos freios
necessários aos demais Poderes e a outros órgãos do sistema de Justiça.
Contêm o presidente, mas usam expedientes no mínimo
duvidosos para isso. Repreendem os excessos da Lava Jato, mas seguem tomando
decisões monocráticas que chocam a sociedade porque vão na contramão do
esperado combate à impunidade. Defendem a liberdade de imprensa, mas abrem um
precedente ao evocar a Lei de Segurança Nacional para punir ativistas – dando a
senha para Mendonça fazer o mesmo com um jornalista.
O grau de degradação de todas as instâncias da vida nacional
que Bolsonaro produziu com sua Presidência tóxica em um ano e 8 meses dará
trabalho de corrigir. O sistema de Justiça não passará incólume a essa
deliberada estratégia de destruição. Sob a complacência, quando não
participação ativa, de muitos dos seus atores.
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