Mário Henrique Simonsen, ultraliberal, considerado gênio da
economia tinha suas manias, como todo gênio que se preze. Ele, por exemplo,
passava a semana usando o mesmo terno. E só tinha dois. Usava um na semana,
outro nos sete dias seguintes. Seus amigos fizeram até vaquinha para comprar
mais um conjunto de calça e paletó para o ministro.
Ele era um boa praça, homem rico, cantor de ópera amador,
que se divertia fazendo equações, jogando xadrez, escrevendo textos sobre o
destino do Brasil. Neles defendia a privatização de empresas estatais, a
redução do estado e a abertura da economia. Discurso parecido com o de Paulo
Guedes, porém mais inteligente, irônico e aberto ao debate.
Ele foi ministro forte no governo do general Ernesto Geisel,
de 1975 a 1979. Na mesma administração, havia Severo Fagundes Gomes, homem
culto, experiente, viajado, ótimo papo, liberal, industrial rico e defensor do
capital brasileiro. Ele e Simonsen se respeitavam, mas falavam idiomas diferentes.
Severo defendia, junto com alguns militares e parcela da
bancada de esquerda do Congresso, a indústria nacional. Eles foram responsáveis
pela reserva de mercado para produção de computadores no Brasil, impedindo a
entrada do produto estrangeiro. Simonsen, naturalmente, queria abrir o mercado.
Na questão política, o governo Geisel tinha dois lados
opostos. O chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva, trabalhava a
favor da abertura lenta, gradual e segura. Na primeira semana daquela
administração, ele, pessoalmente, me relatou o objetivo do governo e as etapas
para conseguir alcançar aquele alvo, ou seja, a redemocratização do país.
Isso naturalmente envolvia a sucessão do presidente. Por
essa razão, a escolha de João Baptista Figueiredo já estava decidida desde o
início daquele governo.
No lado oposto estava o grupo que não queria que a sociedade
evoluísse para uma democracia liberal. Preferia manter a política nas mãos dos
generais. Seu representante maior foi Sylvio Frota, ministro do Exército.
Havia generais no Serviço Nacional de Informações (SNI) que
não tinham nenhuma simpatia pela política de abertura, lenta, segura e gradual.
Estes grupos continuam vivos. Apoiadores do presidente Bolsonaro não escondem o
desejo de voltar aos governos militares e o retorno do AI-5. É o que sonha o
pessoal da antiga.
No feriado de 12 de outubro de 1977, o Palácio do Planalto
amanheceu protegido por soldados e atiradores de elite em posições
estratégicas. O presidente da República decidira exonerar seu ministro do
Exército, Sylvio Frota, que era abertamente contra o processo de abertura lenta
e gradual na política brasileira.
Naquele dia de Nossa Senhora Aparecida ocorreu o confronto
decisivo entre os partidários da democracia e os defensores do regime fechado
conduzido pelos militares. O presidente convocou uma reunião do Alto Comando do
Exército. Sylvio Frota convocou outra reunião na mesma hora, mas em outro
local. No gabinete dele.
A maioria dos generais foi para o Palácio do Planalto. E
Frota foi demitido. Houve ainda uma série de incidentes até que a Constituinte
fosse convocada, o que só ocorreu no governo Sarney, depois do trauma da agonia
e morte de Tancredo Neves.
O governo Geisel viveu a crise do petróleo. Acabou a
gasolina no Brasil. Foi instituído o racionamento. As pessoas tinham que
comprar boletos, chamados de simonetas, para adquirir gasolina. Os postos de
combustíveis fechavam as oito da noite e abriam as seis da manhã. Naturalmente,
crise econômica pesada se instalou no país. A saída sugerida por Simonsen era
abrir a economia e convidar o capital internacional a investir no Brasil.
Uma das primeiras soluções foi demitir Severo Gomes do
Ministério da Indústria e Comércio. Parecia que o rumo econômico estava
decidido. Porém o país entrou numa espiral inflacionária e aumentou muito a
dívida externa, que mais tarde iria resultar na moratória, já no governo
Sarney.
Os militares retomaram o conhecido caminho do nacionalismo.
Mais empresas estatais. Desta vez, quem saiu do governo foi Mário Henrique
Simonsen.
Aqui, neste canto de mundo, as crises são iguais, só mudam
os nomes dos envolvidos. Nacionalistas versus globalistas. Ultradireita que
pretende fechar o Congresso e o Supremo, contra grupos a favor da democracia e
das liberdades públicas. Só falta surgir a divisão dentro do Exército. É
possível que aconteça nos próximos tempos. Mas também já ocorreu antes.
E, como sempre, a instabilidade política enriquece
investidores e o pessoal do mercado financeiro. Nada de novo sob o sol.
Mediocridade assustadora.
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