Apesar das pressões
que vêm de todos os lados, da esfera pública ou privada, nacional ou
internacional, o governo persiste no desmantelamento da área ambiental. No
afogadilho, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aprovou junto ao
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) a revogação de duas resoluções
sobre áreas de preservação litorâneas. Isso deixará as áreas de proteção
permanente de manguezais e restingas do litoral brasileiro sem qualquer
proteção legal, abrindo espaço à construção nas faixas de vegetação das praias
e à ocupação dos mangues para a produção de camarão.
O governo argumenta
que as resoluções foram abarcadas por leis posteriores, como o Código
Florestal. Mas o argumento é espúrio. As resoluções são hoje os únicos
instrumentos legais que protegem essas áreas. Como disse em nota a Associação
Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), a
revogação “ofende o princípio do não retrocesso, o qual permite aos Poderes da
República apenas avanços na proteção ambiental, ao passo que atos normativos
contrários à evolução na proteção ambiental propiciam mais insegurança jurídica
e instabilidade institucional”.
Como se não
bastasse, o órgão revogou ainda outra resolução que estabelece critérios
federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. O
ministro também conseguiu liberação da queima de resíduos de agrotóxicos sem
qualquer tratamento ou destinação.
“Tudo foi pautado
em regime de urgência”, apontou o presidente do Instituto Brasileiro de
Proteção Ambiental, Carlos Bocuhy. “Qual é a urgência de tomar decisões tão
importantes em tão pouco tempo e sem que esses temas sejam submetidos a
estudos, por meio de câmaras técnicas?”
O Conama, dada a
sua prerrogativa deliberativa, deveria ser o foro adequado para promover o
debate público e técnico destas questões. Mas o próprio órgão foi esfacelado:
seguindo um procedimento sistemático de desmonte dos Conselhos Nacionais, no
ano passado o governo determinou a redução de seus representantes de 96 para
23. Além disso, reduziu a proporção de representantes civis e dos Estados e
municípios. Na prática, os votos estão concentrados nas mãos do governo e de
representantes do setor produtivo.
Propostas tão
delicadas, avançadas de maneira arbitrária e atabalhoada, só contribuem para
debilitar a credibilidade do Conama e suscitar suspeitas de má-fé por parte do
governo. Como adverte a Abrampa, as resoluções podem levar a um “galopante
processo de judicialização” em detrimento da segurança jurídica. Um grupo de
parlamentares já se mobilizou para solicitar à Justiça tutela antecipada para
sobrestar quaisquer deliberações do órgão em face das resoluções.
O pior é que tudo
se passa como se o Ministério do Meio Ambiente não tivesse pautas urgentes a
tratar. O Pantanal queima. A Amazônia queima. E os investidores fogem.
A única coisa de
que não se pode acusar o ministro Salles é de incoerência. Na infame reunião
ministerial que veio a público no início da pandemia, o ministro propalou que
era preciso aproveitar o pânico social como cortina de fumaça para “passar a
boiada”, quer dizer, aprovar medidas controversas na surdina.
A insensibilidade –
quando não a franca hostilidade – do governo às causas ambientais é de tal
ordem que até a tirada popular de “reclamar com o papa” foi subvertida. O
próprio papa reclamou, em conferência às Nações Unidas, do descaso com o meio
ambiente, em especial da “perigosa situação da Amazônia e seus povos
indígenas”. Nem sequer se pode dizer que o governo faz “ouvidos de mercador”,
pois os mercadores, investidores e autoridades internacionais alertam a plenos
pulmões que as consequências para a econômica nacional serão severas.
Os outros Poderes
não podem se dar ao luxo de ignorar essas advertências. O desmonte do Conama já
foi contestado no STF há mais de um ano, mas a pauta está engavetada. Quanto às
resoluções revogadas, cabe ao Congresso restaurá-las imediatamente por decreto
legislativo.
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