O resultado do plebiscito no Chile e a eleição presidencial
na Bolívia são boas notícias numa região que acumula tensões e amarguras. Até a
aposentadoria do senador uruguaio, e ex-presidente, José Mujica foi uma aragem
de boa política pelo seu discurso forte e sincero que viralizou nas redes. Nos
casos chileno e boliviano, a saída dos impasses foi pelo melhor dos caminhos, a
democracia.
Bolsonaro, pela sua defesa dos regimes ditatoriais da
América Latina das décadas de 60 e 70 do século passado, deu a impressão de que
a região voltaria ao velho padrão de democracia interrompida. Como venceram
candidatos de direita no Chile, Paraguai e Uruguai, o temor era de um queda no
túnel do tempo. Mas o que ficou claro é que Bolsonaro está sozinho, porque nem
a direita da região tem afinidade com ele. Foi com constrangimento que o
presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, ouviu de Bolsonaro elogios ao
ditador Stroessner. O presidente do Chile, Sebastian Piñera, rechaçou o ataque
sórdido que Bolsonaro fez à ex-presidente Michele Bachelet ao ofender a memória
do pai dela, morto na prisão. Bolsonaro é um extremista só.
Piñera reagiu à violenta explosão de movimentos de rua,
contra seu governo, caminhando para o centro e propondo uma solução há muito
aguardada no país: a mudança da Constituição. Houve forte comparecimento às
urnas neste final de semana, os jovens participaram, num país onde o voto não é
obrigatório. A vitória dos que querem uma nova constituição foi esmagadora.
No governo Bolsonaro, como sempre, há a falta de compreensão
do que acontece debaixo de seus narizes. O líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros, mostrou desconhecimento ao defender mudança na Constituição brasileira,
porque ela teria tornado o Brasil “ingovernável”. O ministro Bruno Dantas, do
TCU, sugeriu “estudar um pouco de História e entender a transição democrática
deles”. Pois é. O Brasil começou sua transição fazendo uma Constituinte, o
Chile só agora abandonará a constituição da época da ditadura.
A Bolívia viveu há um ano um momento de enorme turbulência
política que fez temer sua volta ao passado de instabilidade crônica. Na época,
houve um debate bizantino sobre se havia sido ou não um golpe. Aqui escrevi que
era uma discussão ociosa, porque se os chefes militares se reúnem e vão à
televisão exigir a saída de um governante é golpe, evidentemente. O
ex-presidente Evo Morales havia errado também por disputar um quarto mandato ao
arrepio da constituição e do referendo de 2016. Morales deveria ter feito o
natural processo de sucessão dentro do MAS. Seu personalismo agravou a crise. A
solução um ano depois foi de recolocar pelas urnas o MAS no governo, mas através
de um novo líder, Luis Arce.
A diplomacia brasileira errou o tempo todo com a Bolívia,
país com o qual temos uma relação densa. Houve um momento em que a Argentina
teve que negociar com o Paraguai o pouso para reabastecimento do avião que
levava Evo para o exílio. A diplomacia brasileira, que já solucionou conflitos
na região e sempre reconheceu o direito de asilo, ignorou o problema. Agora,
foi o último país a reconhecer a vitória de Arce. Piñera foi um dos primeiros.
O debate sobre modificar ou não a Constituição da era
pinochetista foi sepultado ontem pelas urnas no plebiscito convocado por
Piñera. Quase 80% dos que votaram disseram que é preciso mudar. Começa agora um
longo processo. No ano que vem haverá eleição para a Constituinte e depois que
ela for redigida será novamente votada. Nesse caminho o Chile pode avançar mais
na cicatrização das velhas feridas da era da ditadura militar.
A diferença entre a direita da região e Bolsonaro é que o
presidente brasileiro defende a ditadura, o que outros governantes não fazem.
Além disso, no seu governo, há pessoas que como ele admiram torturadores. E
existem militares remanescentes da pior ala do regime, a do general Silvio
Frota, derrotada pelo presidente Ernesto Geisel no dia 12 de outubro de 1977.
Nosso retrocesso é muito maior do que nos damos conta.
Ao renunciar ao seu mandato de senador, o ex-presidente
uruguaio deixou o legado de palavras que se deve guardar. Entre as várias
frases memoráveis destaco aquela que ele dirigiu aos jovens. “Triunfar na vida
não é ganhar, triunfar na vida é levantar-se e recomeçar toda vez que cair.” A
resiliência, essa é a lição de Pepe. Doze anos preso em condições desumanas,
ele viveu o que aconselha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário