Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela
vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das
épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão.
Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos
aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado.
Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é
sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” —
lembra-te que és mortal!
O escravo que se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz
recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e
de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso de realidade. Infelizmente, nos
deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos. Os líderes
atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados
pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de
seguidores de ocasião.
É doloroso perceber que os projetos apresentados nas
campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas
urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento.
Valem tanto quanto uma nota de sete reais.
Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são
paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los
ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos
modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos
chegam a ficar roucos.
Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao
longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por
sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores
subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal.
Entendam a discordância leal, um conceito vigente em forças
armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às
vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua
missão com sucesso.
A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter
sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não
quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua
audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste. Vê-se
sempre como o vencedor na batalha de Zama, nunca como o derrotado na batalha de
Canas.
Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não
há mais escravos discordantes leais a cochichar: “Lembra-te que és mortal”, a
estabilidade política do império está sob risco.
As demais instituições dessa república — parte da tríade do
poder — precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados
dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”.
Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela,
deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar,
esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos
atos do César.
A população, como árbitro supremo da atividade política,
será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um
governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim,
assumindo o papel de escravo romano, ela deverá sussurrar aos ouvidos dos
políticos que lhes mereceram seu voto: — “Lembra-te da próxima eleição!”
Paz e bem!
* General de Divisão do Exército Brasileiro. Doutor
em ciências militares, foi o porta-voz da Presidência da República, nomeado
pelo governo Jair Bolsonaro
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