Desde o célebre livro de Stefan Zweig, e mesmo antes dele, o
Brasil é reconhecido como o país do futuro. Às vezes, parece que o futuro
chegou, e revistas estampam na capa um Cristo Redentor em forma de foguete
subindo aos céus. Às vezes, a ideia toma a forma de um gigante que desperta e
caminha com decisão. Para onde, José?
Apesar de toda essa fantasia, sinceramente não conheço um
momento da história em que a possibilidade real de encontro com o futuro seja
tão concreta.
A base dessa presunção é o fato de que a teoria econômica
evoluiu no planeta. Não se acredita mais que o progresso é indissociável da
destruição ambiental. A própria natureza deixou de ser vista como uma
externalidade, um elemento passivo, um simples insumo. Agora, é vista como o
centro da produção.
Nesse contexto, o Brasil não só emerge como uma potência
ambiental, mas como o território onde mais se produz vida no planeta. As
concepções mudam, e nada parece mais fora do lugar hoje do que a tese de que a
conservação da natureza é um entrave ao progresso econômico.
Acaba de ser publicado o livro “Brasil, paraíso
restaurável”, de Jorge Caldeira, Julia Marisa Sekula e Luana Schabib. Caldeira
não é um idealista alheio às engrenagens reais da economia. Escreveu o livro
“Mauá: empresário do Império” e também uma “História da riqueza no Brasil”,
ampla e inteligentemente pesquisada.
O livro sobre o Brasil como potência ambiental é amparado em
gráficos e mapas destinados a mostrar que a natureza preservada é o centro de
criação do valor econômico.
Um dos capítulos do livro tem este título: “Queimar
florestas é queimar dinheiro”. Nele é possível saber que os créditos de carbono
no mundo hoje superam o volume das exportações brasileiras. Os créditos são
dinheiro disponível para manter florestas em pé, retendo o carbono no subsolo.
Isso sem contar com produções sustentáveis, como as de açaí
e castanha, e as incontáveis potencialidades das plantas.
É essa nova visão que faz com que empresas e fundos de
pensão se interessem pela defesa do meio ambiente. De um modo geral, supõe-se
que esse interesse é para agradar a consumidores, uma operação de marketing.
Pode até ser isso também, mas hoje esse aspecto já se torna secundário.
O grande obstáculo para o Brasil ocupar esse espaço no mundo
é o governo, que ainda associa progresso com destruição ambiental. A ideia de
passar uma boiada sobre as normas de proteção é um eufemismo. Na verdade,
querem passar bandos de javalis que devoram tudo pela frente.
No governo militar houve um encanto com esse tipo de
progresso. Campanhas do tipo “bem-vinda poluição” circularam pelo mundo
tentando atrair capitais já em declínio no Norte.
A destruição da Floresta Amazônica era vista como um triunfo
da ação humana sobre a natureza. A mata era vista como um mito a derrubar para
que se pudesse faturar.
Mas isso foi há meio século. É compreensível que a cabeça de
Bolsonaro tenha se congelado na década dos 70, e ele sonhe com uma, duas, três,
muitas Cancúns.
Mas os militares leem, viajam, frequentam cursos,
seminários. Não poderiam respaldar essa política destrutiva, na esperança de
nos tornarmos um país como os outros do século passado.
Não é só pelo processo destrutivo. Mas pelas evidências de
um caminho econômico mais fértil, pela imensa possibilidade de o Brasil,
finalmente, encontrar um futuro que não seja um efêmero foguete de capa de
revista ou um sonolento gigante se pondo em marcha.
Desta vez, não seria um voo de galinha, mas sim a
consciência de ser o país mais rico do mundo, em vida e energia, uma potência
ambiental que explora racionalmente suas vantagens e reduz suas deformações
como a disparidade de renda.
O futuro finalmente chegou. Há quem não o veja e prefira
soltar uma boiada para pisotear sonhos realizáveis.
O Brasil talvez seja o único país hoje presente na agenda da
eleição presidencial americana. Seria uma conspiração para derrubar nossas
matas, esgotar nossos minérios e celebrar uma volta ao século XX? Ou um novo
pacto para o futuro?
Artigo publicado no jornal O Globo em 05/10/2020
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