A família Bolsonaro tem relações periculosas com bancos.
Esbanjam no banco imobiliário, evitam os bancos tradicionais e têm pavor do
banco dos réus. O banco imobiliário foi a escola dos Bolsonaros. No período
após a grande depressão, um desempregado dos EUA, Charles Darrow inventou o
“monopoly”, um dos jogos de tabuleiro mais vendidos no mundo. Por aqui ele
ficou eternizado como “Banco Imobiliário”. Várias gerações experimentaram a
fascinação de acumular riquezas ou a frustração de falir. A licenciada no
Brasil para comercializar o tabuleiro da fortuna, a Estrela, esclarece o
objetivo predatório do jogo: “Conquistar a maior fortuna possível e levar os
outros à falência”.
As regras são simples. Podem participar até 6 jogadores que,
a depender da sorte dos dados, vão trafegando por endereços nobres e adquirindo
as propriedades nas quais estacionarem. O meio de pagamento é impositivo. Eles
devem ser efetuados sempre em dinheiro. Para isso os jogadores recebem no
início da corrida milionária um pacote notas, de valores entre 1 e 500 para
adquirir bens imobiliários. Avesso a ‘bancarização’, o clã Bolsonaro reproduziu
na vida real todos mandamentos do Banco Imobiliário: acumular patrimônio
pagando em dinheiro vivo.
Na rodada da família, 6 integrantes bateram no guichê
imobiliário para adquirir imóveis com dinheiro vivo no Rio de Janeiro. Isso
além de outras cirandas de dinheiro vivo que rondam ex-assessores de Flávio
Bolsonaro, investigado por crime de peculato. Entre 1996 e 2016 a compra de
dezenas de imóveis envolveu as ex-mulheres Ana Cristina, Rogéria Bolsonaro e os
filhos Carlos Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro. Os valores em
espécie, sem atualização e sem o valor real de avaliação dos imóveis, somam R$
1,3 milhão.
Rogéria Bolsonaro, mãe do 01, 02 e 03 e primeira mulher do
capitão, comprou em 1996 um apartamento no Rio de Janeiro pelo valor de R$ 95
mil. Atualizado o imóvel, situado na Zona Norte, valeria hoje R$ 621 mil. No
período da compra Rogéria Bolsonaro era casada com o então deputado Jair
Bolsonaro em comunhão de bens. A separação só aconteceria 2 anos depois, em
1998.A escritura registra com todas as letras que o preço “certo e ajustado de
R$ 95 mil foi recebido integralmente no ato… através de moeda corrente
devidamente conferida, contada e achada certa e examinada pelos vendedores”.
Entre o final de 1997 e 2008, quando coabitou com o então
deputado Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira comprou com ele 14 apartamentos,
casas e terrenos, que somavam um patrimônio avaliado em cerca de R$ 3 milhões,
o equivalente a R$ 5,3 milhões em valores corrigidos pela inflação. Pelas
escrituras, conta a revista “Época”, cinco dos 14 imóveis foram pagos “em moeda
corrente”, ou seja, em dinheiro vivo. Foram duas casas, um apartamento e dois
terrenos em negociações separadas, que somam R$ 243.300, em valores históricos,
ou seja, sem correção.
O hábito passou dos pais para os filhos, numa curiosa
modalidade de atavismo. Flávio Bolsonaro está todo enrolado pela mania de
evitar os bancos, filas, análise de créditos, burocracias e tarifas
escorchantes. Melhor meio de pagamento é grana viva, ainda mais no santuário da
segurança pública que é o Rio de Janeiro. Fabrício Queiroz movimentou uma
fábula de dinheiro de servidores da Alerj. O MP do Rio de Janeiro detectou uma
movimentação de cerca de R$ 2 milhões de 13 assessores do gabinete de Flávio
Bolsonaro. No mesmo período parte deles sacou mais de R$ 7 milhões das contas.
O atual chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro no Senado,
Coronel Miguel Ângelo Braga, recebeu R$ 196 mil depositados em espécie na sua
conta bancária. Outro Coronel, Guilherme dos Santos Hudson pagou R$ 38 mil em
dinheiro por um terreno em Resende, no Rio de Janeiro, em 2008. Atualizados são
R$ 71 mil. Os vendedores são Ana Cristina Siqueira Valle e Jair Bolsonaro. O
coronel Guilherme também é investigado no escândalo das rachadinhas. Flávio
Bolsonaro, aponta o MP, fez em 2010 uma doação em espécie de R$ 733 mil para a
própria mãe e outra de R$ 67 mil para a esposa, ambas em pecúnia.
A partir da ciranda financeira, das transações imobiliárias
em dinheiro vivo, pagamentos de despesas pessoais, advocatícias e da prática
recorrente de saques envolvendo assessores, Flávio Bolsonaro deve ser
denunciado pelo Ministério Público por 3 delitos: peculato, lavagem de dinheiro
e organização criminosa. O MP aponta que Flávio Bolsonaro usou, pelo menos, R$
2,7 milhões da gaita proveniente do esquema das ‘rachadinhas’. O dinheiro era
devolvido por transferências, depósitos, mas também em espécie, utilizando-se
Fabrício Queiroz. A casa está mesmo caindo.
Já Eduardo Bolsonaro, o deputado que pregou o golpe, em seu
primeiro mandato, em 2016, pagou R$ 1 milhão por um apartamento em Botafogo,
Zona Sul do Rio. A escritura mostra que ele deu um sinal de R$ 81 mil e estava
pagando, no ato, mais R$ 100 mil em “moeda corrente do país, contada e achada
certa”, ou seja, dinheiro vivo. O mesmo registro ainda firma o compromisso do
deputado de pagar mais R$ 18,9 mil seis dias depois. A maior parte, R$ 800 mil
foi financiada pela CEF. Em 2011, Eduardo Bolsonaro comprou por R$ 160 mil
outro imóvel. Do total, R$ 50 mil foram honrados em espécie. A secretaria
municipal de fazenda, para efeitos fiscais, avaliou o imóvel por R$ 228 mil, ou
seja 30% a mais. As revelações foram do jornal “O Globo”.
Carlos Bolsonaro é outro investidor do Banco Imobiliário
familiar. O jornal “Estado de São Paulo” mostrou que em 2003, no primeiro
mandato como vereador, pagou R$ 150 mil em dinheiro vivo por um imóvel na
Tijuca. O valor corrigido é de R$ 366 mil. Um dos três imóveis comprados pelo
vereador durante a vida pública foi adquirido por preço 70% abaixo do avaliado
pela Prefeitura. O apart-hotel custou ao filho “zero dois” R$ 70 mil, quando o
valor venal era de R$ 236 mil estipulado pela prefeitura para cobrança de
imposto.
As transações imobiliárias, quase sempre em espécie,
justificariam até mesmo a abertura de um negócio de administração de imóveis, a
Imobiliária Bolsonaro que agregaria ganhos até com corretagem. Não fariam
inveja às malas de Geddel Vieira Lima e seus R$ 52 milhões, mas explodiriam a
mala dos R$ 500 mil arrastada por Rocha Loures – assessor de Michel Temer –
pelas ruas da capital paulista. O curioso é que, das transações bancárias, os
R$ 89 mil depositados em 27 cheques por Fabrício Queiroz para a primeira-dama,
assim como as demais, permanecem sem explicações. Murros na boca de jornalistas
não apagam os fatos nem evitam o calvário entre o Banco Imobiliário e o banco
dos réus.
— Weiller Diniz é jornalista
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