A situação de Wilson Witzel —que se recusa a deixar o
Palácio Laranjeiras, no alto do Parque Guinle, mesmo depois da votação
acachapante (69
a 0) na Assembleia Legislativa que determinou o prosseguimento do processo de
impeachment— lembra "O
Outono do Patriarca", de Gabriel García Márquez.
Publicado em 1975, o romance do Nobel colombiano --o
primeiro que escreveu depois do clássico "Cem Anos de Solidão",
pressionado a provar que este não tinha sido um golpe de sorte-- é outro
mergulho na solidão, não mais a de Macondo, mas a solidão do poder.
Ditador de um país imaginário, o patriarca de quem o leitor
não sabe o nome é um amálgama de figuras históricas (Franco, Perón, Trujillo,
Stálin, Somoza, Fidel e o general Juan Vicente Gómez, que governou a Venezuela
de 1908 a 1935) e do próprio García Márquez, que na época sofria a solidão do
sucesso, que o isolava do mundo. Com idade indefinida entre os 107 e os 232
anos, o personagem vive no palacete presidencial diante do mar das Antilhas,
ouvindo harpas imaginárias, manipulando uma bolinha de gude e tendo como
companhia as concubinas, as vacas, os urubus e as galinhas que bicam os
cadáveres em volta.
"O Outono do Patriarca" é um dos primeiros livros
a abordar o fenômeno moderno das celebridades. O que é Witzel senão um
aventureiro que surgiu do éter bolsonarista e, com rapidez assombrosa, está
voltando a ser o nada que era antes?
Obrigado a enfrentar o tribunal, aproveita ao máximo os
últimos dias no Laranjeiras, edifício com 5.000 metros quadrados e outros 25
mil de jardins em estilo francês. Ao lado dele, a mulher, Helena (que chora e
reza o tempo todo), e três filhos. Ninguém visita o ex-juiz.
Nem na desgraça Witzel consegue ter alguma grandeza. A
comparação com o ditador do romance de García Márquez acaba sendo um elogio
para alguém que não passou de um projeto de ditador.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de
"Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".
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