O ensaio de privatização do SUS resumiu, em um episódio,
quatro características do governo Bolsonaro: insensibilidade social,
autoritarismo, falta de transparência, voracidade para fazer negócios.
Ontem o Diário Oficial trouxe um decreto que dispunha sobre
a “qualificação da política de fomento ao setor de atenção primária à saúde no
âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República,
para fins de elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a
iniciativa privada”.
Com o palavrório, abriu-se uma porta bilionária para a
privatização das unidades básicas de saúde, que atendem até 80% dos problemas
dos brasileiros.
Avesso à participação social, o governo não ouviu os
conselhos de saúde, as entidades médicas ou os gestores locais. O ministro
decorativo da Saúde, Eduardo Pazuello, também foi ignorado. Neste mês, o
general admitiu que assumiu a pasta sem saber o que era o SUS. Dias depois,
reconheceu que está no cargo para cumprir ordens. “Um manda, o outro obedece”,
explicou.
A Constituição define a saúde como “direito de todos e dever
do Estado”. Com a canetada de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, o sistema público,
universal e gratuito seria rifado a operadores privados. A experiência com as
organizações sociais (OSs) dá uma ideia de onde isso poderia parar. No Rio, o
modelo produziu escândalos de corrupção, precarização de serviços e calotes em
servidores.
Para os empresários da saúde, a privatização seria uma mina
de ouro. Além de lucrar com o atendimento, eles receberiam informações
coletadas desde o nascimento dos pacientes. Um fabuloso banco de dados para
impulsionar novos e velhos negócios.
Num país em que 71,5% da população não conseguem pagar um
plano de saúde, as UBSs garantem consultas, exames, remédios e vacinas de
graça. Privatizá-las significaria quebrar a espinha do SUS. Apesar de todas as
dificuldades, o sistema reafirmou sua importância no combate à pandemia. Isso
explica a pressão que obrigou Bolsonaro a revogar o decreto um dia depois de
publicá-lo.
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