Para nós que passamos 21 anos de vida adulta (1964-1985) sob
a ditadura, os generais eram sujeitos sinistros, de óculos escuros, que nos
ditavam quando, se e em quem podíamos votar, o que podíamos ler, ver, escutar,
dizer e escrever e, se falássemos em instituições, direitos e liberdade, eles
mandavam prender e arrebentar. Eles tinham as armas, as verbas e as canetas com
as quais impor sua autoridade. E os porões, instrumentos de tortura e beleguins
para aplicá-la. A mera visão de uma farda era intimidadora. Ela nos reduzia
moralmente à menoridade, às calças curtas, à fralda.
Aí está algo incompreensível para um brasileirinho de hoje.
Ele não entenderá como os militares podiam ter essa força. Para ele, militares
são sujeitos que Jair Bolsonaro põe no governo, exibe nas redes sociais e logo
começa a depreciar, diminuir, desmoralizar e, por fim, fulmina com a demissão.
Em menos de dois anos, já fez isso com 16 generais, quatro brigadeiros e um
almirante, e só entre os oficiais de alta patente.
Segundo levantamento da Folha, Bolsonaro demite um desses
caciques por mês, até os que, por causa dele, abriram mão de suas promoções.
Nada se compara, claro, ao esbofeteamento simbólico a que vive submetendo o
general Eduardo Pazuello, pseudoministro da Saúde e seu mais dedicado ajudante
de ordens. Se Bolsonaro trata assim os graúdos, imagine seu apreço pelos 6.000
fardados do segundo time com que entupiu os ministérios, estatais, autarquias e
bancos públicos. Só lhe servem para alimentar sua ilusão de que comprou o
Exército.
Pode ser psicologia de galinheiro, mas estou certo de que
Bolsonaro faz tudo isso para se compensar de humilhações em sua medíocre
carreira militar. É uma forma de demência, que parece fascinar os generais —ou
não se submeteriam a ela.
O brasileirinho de hoje tem razão. Se eles são assim, como
conseguimos passar 21 anos sob suas botas?
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen
Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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