A trajetória democrática brasileira tem pés firmes na
jurisprudência da Suprema Corte, que
nas últimas três décadas vem contribuindo para o avanço do processo social à
luz da Constituição Cidadã.
Mas se por um lado temos julgados paradigmáticos que permitiram saltos
civilizatórios notáveis, incluindo o fortalecimento de direitos e garantias e
de proteção aos vulneráveis, é preciso manter vigília permanente contra ameaças
e violações a princípios basilares de nossa Carta Magna, notadamente no campo
dos direitos fundamentais e da dignidade humana.
Foi imbuído desse espírito que agiu o Supremo Tribunal
Federal em 2015, ao reconhecer que quase 1 milhão de brasileiros vivem à margem
da lei máxima do país enquanto dentro
de nossas prisões, sob a tutela do Estado. É para a superação definitiva
desse grave desarranjo institucional, com
efeitos nefastos para o grau de desenvolvimento inclusivo ao qual nos
comprometemos por meio da Agenda 2030 das Nações Unidas, que executamos no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o programa Fazendo Justiça.
Trata-se de continuação da parceria de sucesso iniciada em
2019 com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, somada a
importante apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em verdade, a
natureza interinstitucional é um dos principais méritos da parceria —de forma
inédita, mais de 3.500 atores estratégicos em diferentes níveis federativos
estão mobilizados em torno de uma agenda nacional com planejamento e
indicadores bem definidos, adaptável às realidades locais com foco em
resultados de médio e longo prazo.
Nos próximos meses, o CNJ conduzirá 28 ações nacionais
estruturantes para diferentes fases e necessidades
do ciclo penal e do ciclo socioeducativo, facilitando serviços,
produzindo e difundindo conhecimento e reforçando o arcabouço normativo.
Lançaremos planos nacionais de geração de trabalho e renda, de incentivo à
leitura e de incentivo ao esporte e ao lazer, fundamentais para dinâmicas de
ressocialização. Até o segundo semestre de 2021 teremos um fluxo permanente de
identificação civil por meio de biometria conectando todo o país, com emissão
de documentos para facilitar o acesso a direitos durante e após o cárcere.
Pactuações em andamento com tribunais e outros atores locais resultarão na
inauguração de ao menos 13 Serviços de Atendimento à Pessoa Custodiada, 10
Núcleos de Justiça Restaurativa, 3 Centrais de Alternativas Penais e 12
Escritórios Sociais, serviço de atenção a pessoas egressas e familiares
fomentado pelo CNJ que garantiu 20 unidades em 14 estados apenas no último ano.
No campo da tecnologia da informação, o Sistema Eletrônico
de Execução Unificado (Seeu) já centraliza de forma inédita a gestão da
execução penal, integrando atores, agilizando procedimentos e produzindo dados
nacionais em tempo real. Também passa por revolução o monitoramento e
fiscalização das execuções de medidas socioeducativas, que aliada a outras
ações estruturantes, fortalecerá a atuação do Judiciário sob o princípio da
proteção integral de adolescentes preconizado por nossa Constituição e pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. Em ambos os sistemas, segue como
prioridade o enfrentamento à Covid-19 pelo
direito à saúde coletiva e pelo direito à vida.
Tantas ações em andamento durante uma pandemia global, com
resultados já visíveis —registramos a menor taxa de prisão provisória dos
últimos 17 anos—, só se tornaram possíveis com um ambiente de diálogo
permanente entre poderes públicos, setor privado e sociedade civil para a
construção de soluções colaborativas.
No Judiciário, o empenho de diferentes gestões para
desmantelar o cenário narrado pelo STF em 2015 reforça o compromisso para
oferecer respostas robustas a um desarranjo que
se alimenta da inércia. Seguiremos tratando a questão prisional como política
judiciária de Estado para que nossa Constituição permaneça como a certeza
primeira de todos os brasileiros.
*Luiz Fux é presidente do Supremo Tribunal Federal e do
Conselho Nacional de Justiça
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