É frequente ouvir a reclamação de que “nenhum deputado no
Congresso me representa”. Ainda que seja habitual, quase um lugar-comum,
incapaz de surpreender quem quer que seja, essa crítica tem sérias implicações.
Ela não significa, por exemplo, que o Legislativo está distante ou que as leis
aprovadas refletem pouco as preferências políticas pessoais. A frase “nenhum
parlamentar me representa” estabelece uma radical – e absolutamente irreal –
separação entre eleito e eleitor.
Como diz a Constituição, todo o poder emana do povo. No
Congresso, nas Assembleias Estaduais e nas Câmaras Municipais, não há ninguém
ocupando uma cadeira por sucessão hereditária, patrimonial, cultural ou
intelectual. Todos estão lá pela mesma e única razão: receberam votos do
eleitor. É verdade que, em muitos lugares, a posse de determinado sobrenome
facilita a eleição, mas o critério decisivo e determinante continua sendo o
voto, a vontade do eleitor.
E se foi o voto que colocou todos os membros do Poder
Legislativo em seus respectivos cargos, é preciso reconhecer uma consequência
insofismável – todos, sem exceção, são representantes dos eleitores. Todos, de
fato e de direito, representam a população, que os escolheu.
Num regime onde todos os cidadãos maiores de idade têm o
direito de votar é falso dizer que “ninguém me representa”. Talvez isso seja
verdade num país em que, por questão de sexo, raça, religião ou outro critério
de discriminação, determinadas pessoas são excluídas do direito de votar. Nesse
caso, quem foi privado do voto pode, com inteira razão, dizer que os eleitos
não o representam. No entanto, onde o direito de voto, além de ser assegurado a
todos, é obrigatório, essa afirmação não tem respaldo na realidade.
Vale lembrar o que diz a Constituição no primeiro artigo do
capítulo dedicado aos direitos políticos: “A soberania popular será exercida
pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos”. Essa importantíssima garantia, decorrência direta do princípio da dignidade
humana e da igualdade de todos perante a lei, poderá ser observada de forma
muito especial no próximo domingo. Todos os cidadãos – sejam eles pobres ou
ricos, desconhecidos ou famosos, iletrados ou portadores da mais alta erudição
– terão direito a um voto.
Diante da urna, todos são absolutamente iguais, sem nenhuma
distinção. Pilar do regime democrático, essa radical igualdade de todos os
cidadãos assegura que a escolha de um eleitor tenha a mesma importância que a
escolha de cada um dos outros milhões de eleitores. E esses votos, contados um
a um – todos com idêntico peso –, definirão o novo prefeito e os novos
vereadores de cada município. Não haverá como dizer que os políticos eleitos
não representam o eleitor.
“Ninguém me representa” não é apenas uma afirmação
equivocada. Ela é cômoda. Ao estabelecer uma separação absoluta entre o eleitor
e os representantes eleitos, a cidadania ganha ares de irresponsabilidade. O
cidadão já não enxerga sua contribuição, exatamente igual à de todos os outros,
para a composição do Congresso, da Assembleia Estadual e da Câmara Municipal.
Nessa equivocada lógica, os outros é que seriam os responsáveis pela lista de
eleitos. E, ao ignorar que os senadores, os deputados e os vereadores são seus
representantes, o eleitor que se isenta de responsabilidade nada cobra a
ninguém, nada exige dos eleitos – nem eficácia nem honestidade. Tem-se, assim,
uma situação paradoxal. O cidadão que omite deveres cívicos fundamentais é o
mesmo a alimentar um sentimento de superioridade moral. “Nenhum desses
políticos me representa”, diz.
O regime democrático oferece uma oportunidade incrível. São
os cidadãos que escolhem, de tempos em tempos, seus representantes no Executivo
e no Legislativo. Sendo um direito, o voto é também responsabilidade. Basta
pensar que, ao longo dos próximos quatro anos, o prefeito e o Legislativo de
cada cidade serão exatamente aquilo que os eleitores quiserem que sejam no
próximo domingo. Não há forças ocultas. Não há geração espontânea. Há o voto e
suas consequências.
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