O Brasil fica mais distante da OCDE, do acordo com a União
Europeia e do mundo, enfim, com a eleição de Joe Biden e Kamala Harris. Isso
porque o governo brasileiro deveria ter a esta altura uma estratégia de como
mover suas peças no tabuleiro do xadrez mundial. Mudaram as circunstâncias, e o
erro bolsonarista ficará mais caro. Estados Unidos e União Europeia estarão
mais juntos a partir de agora na questão ambiental, e Jair Bolsonaro é o vilão
óbvio, com sua política de desprezo à preservação ambiental, de desrespeito aos
indígenas, de afronta aos negros.
O governo Biden tem uma lista imensa de urgências. A
pandemia é a primeira delas e por isso ontem já estava sendo anunciado o grupo
de transição que vai preparar o plano de combate ao coronavírus. A crise
econômica é outra emergência. O plano de socorro terá que ser maior do que o
programado, e no meio do caminho tem o Senado. A campanha de Biden, muito
energizada pela vitória, está jogando tudo para garantir as duas cadeiras do
Senado da Geórgia que foram para segundo turno. Caso se confirme o controle dos
republicanos no Senado, tudo será mais difícil.
Na área ambiental, contudo, o avanço está garantido. O
governo Biden já avisou que voltará ao Acordo de Paris. E poderá também
desfazer ordens executivas e regulações infralegais que foram impostas pelo
governo Donald Trump, que entregou a Environmental Protection Agency (EPA), a
agência de proteção ambiental, a um lobbista da indústria do carvão. Nesse
contexto de volta aos princípios do acordo e às regulações ambientais mais
severas, os Estados Unidos ficarão mais próximos da Europa, que já tem
pressionado o Brasil. Portanto, Bolsonaro estará mais sozinho com a sua
política insensata na área do meio ambiente.
A política externa atual tenta apagar o Brasil do
mapa-múndi. É um esforço diário para nos tornar irrelevantes. Demorar a
cumprimentar o presidente eleito Joe Biden e não enviar autoridade para a posse
de Luiz Arce na vizinha Bolívia são decisões obtusas. Caberia a Ernesto Araújo
avisar a Bolsonaro: pode já ir se acostumando. Mas ficaram os dois velando o
falecido governo Trump, erro que nem o autocrata Viktor Orban cometeu. Fazer pirraça
com a Bolívia é ridículo. O país vizinho escolheu em eleições livres trazer de
volta o partido de Evo Morales e não nos cabe desgostar.
O Brasil tem muito a perder com os erros da dupla. Primeiro,
porque Bolsonaro com suas falas rudimentares sobre a Amazônia é um alvo fácil.
Se fosse só ele, tudo bem. O problema é que empresas brasileiras também podem
ser prejudicadas por essa política externa e ambiental sem sentido. Por isso,
se Bolsonaro insistir em não ter um plano convincente de preservação ambiental,
aumentarão as pressões aqui dentro. Empresas e o terceiro setor, a imprensa, os
especialistas, lideranças políticas estão cada vez mais se alinhando numa
coalizão pela preservação. Sem Trump, Bolsonaro ficará mais só e entre dois
fogos. Caberia ao Itamaraty traçar uma estratégia. Mas o Ministério não pode
fazer seu trabalho porque está sendo dirigido por um dos mais medíocres
diplomatas que a Casa já produziu.
A ditadura militar no Brasil nasceu no contexto da guerra
fria. Naquele momento, havia países comunistas, e os militares eram, por
suposto, adversários da ideologia. Pois o Brasil de Ernesto Geisel foi o
primeiro a reconhecer o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola
(MPLA), apesar de ser comunista.
O mais elementar em política externa é saber a distância
entre as preferências pessoais do chefe de Estado e o seu papel de
representante do país. Bolsonaro pode ter torcido muito contra Joe Biden e Luis
Arce, mas em processos eleitorais legítimos Biden é hoje o presidente eleito
dos Estados Unidos e Arce acaba de assumir a Bolívia. É um erro não mandar um
alto representante para a posse do governante da Bolívia, país com o qual o
Brasil tem a sua maior fronteira (3.423km). Os bolivianos escolheram a volta do
partido de Evo Morales e não nos cabe desgostar. Com o país vizinho temos um
acordo do gás e antigas tradições de amizade. Com os Estados Unidos, inúmeros
interesses. A demora dos cordiais parabéns ficou ridícula para o Brasil. A
descortesia com a Bolívia não faz qualquer sentido.
A OCDE tem regras de conformidade ambiental que ficarão mais
fortes com o governo Biden. A União Europeia não ficará sozinha exigindo do
Brasil mudança da política ambiental. O projeto de Ernesto Araújo de
transformar o Brasil num grande pária avançou ainda mais nos últimos dias.
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