Entre as campanhas cívicas que presenciei ou das quais participei, a mais vibrante foi a das “Diretas já!” capitaneada por Franco Montoro, Ulysses Guimarães, Nelson Carneiro, Humberto Lucena e lideranças do PT, PDT, PTB.
O regime militar (1964-1985) retirou do povo a prerrogativa da escolha dos representantes políticos e se deu o direito de eventualmente decretar o recesso do Poder Legislativo. O presidente da República assumiu o perfil de ditador. Baixava Atos Institucionais e Atos Complementares. Pertencem ao lado cinzento da história o Ato Institucional (AI) de 9/4/1964, que atropelou a Constituição de 1946; o AI-2, de 27/10/1965, que extinguiu os partidos políticos e instituiu a eleição indireta do presidente e do vice-presidente da República; o AI-3, de 25/5/1966, que conferiu às Assembleias Legislativas a prerrogativa de elegerem governadores de Estado; o AI-4, de 7/12/1966, mediante o qual o presidente Castelo Branco converteu o Congresso em Assembleia Nacional “para se reunir extraordinariamente no período compreendido entre 12/12/1966 e 24/1/1967”, a fim de aprovar a nova lei constitucional do Brasil; o AI-5, de 13/12/1968 que excluiu da apreciação judicial os atos praticados de acordo com o próprio AI-5 e suspendeu o habeas corpus nas acusações de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
A Constituição de 17/10/1969, editada pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica com o nome de Emenda nº 1 à Constituição de 24/1/1967, manteve o regime de exceção e preservou a eleição indireta do presidente da República pelo Colégio Eleitoral, composto por integrantes do Congresso Nacional e Delegados das Assembleias Legislativas dos Estados.
Em 1983, comandada pelo PMDB, PT, PDT e PTB, com apoio dos governadores Franco Montoro, Tancredo Neves, Leonel Brizola, José Richa a campanha pelas diretas ganhou amplitude nacional. Na sessão de 24/4/1984, entretanto, a Emenda Dante de Oliveira, deputado federal pelo Mato Grosso, foi derrotada na Câmara dos Deputados.
A Constituição de 5/10/1988 garantiu eleições diretas como cláusula pétrea. A partir da promulgação a soberania popular voltou a ser exercida “pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos”. Foi também assegurada a liberdade de criação, incorporação e extinção dos partidos políticos. O restabelecimento do regime democrático, entretanto, provocou o aparecimento de novos problemas como revela a história dos últimos 32 anos.
Concentremo-nos no caso teratológico do Rio de Janeiro, cuja capital foi a bússola política, intelectual e artística do País. Afinal, o que se passa com o Estado que governou o Brasil até 1961? Financeiramente está arruinado. A segurança sucumbiu diante do crime organizado. A assistência pública à saúde desapareceu. Alarmante quantidade de favelas denuncia gravíssimos problemas humanos e habitacionais. Pior de tudo, porém, é a corrupção institucionalizada.
Dos oito governadores eleitos desde 1982, Leonel Brizola, Moreira Franco, Marcelo Alencar, Anthony e Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral, Luís Fernando Pesão, Wilson Witzel, seis estão envolvidos com a Justiça Criminal, dos quais tiveram o mandato cassado. Deputados e vereadores são acusados da prática da “rachadinha” e de associação com milicianos e o PCC. Por último, temos o caso do prefeito Marcelo Crivella, preso pela Justiça do Estado nove dias antes do encerramento do mandato, colocado em regime de prisão domiciliar graças a leniente despacho do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O erro não está no direito de o povo eleger diretamente os representantes nos poderes Legislativo e Executivo. Surge da multiplicação de partidos fisiológicos e da designação de candidatos pela cúpula partidária, quando a preferência recai, quase sempre, sobre corruptos e quem melhor exercita a demagogia e o populismo. Não temos aquilo a que Ortega y Gasset deu o nome de “memória dos erros”. Daí a insistência das massas em reincidirem nos erros do passado.
A saúde das democracias, escreveu o filósofo espanhol, “depende de mísero detalhe técnico: o processo eleitoral”. Como o processo eleitoral está corrompido e contaminado, a democracia fica doente e corre o risco de morrer.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do TST
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