Quando Bolsonaro anunciou a troca do presidente da Petrobras, recordei as conversas que mantive com figurões do “mercado” no intervalo entre os dois turnos da eleição presidencial de 2018. A turma da alta finança deplorava as ideias políticas do candidato nostálgico pelo AI-5, mas confessava que ele teria seus votos: afinal, diziam, Paulo Guedes garantiria o triunfo de uma política econômica liberal. Pobres liberais ricos de miolo mole…
O governo Bolsonaro original exibia duas faces. Um lado do rosto era Olavo de Carvalho: o reacionarismo delirante de uma ultradireita mística, que almeja restaurar passados diversos, nossos e estrangeiros. O lado complementar era Guedes: um liberalismo econômico de ângulos retos, inculto e inconciliável, extraído de cartilhas de autoajuda para banqueiros de investimento.
Sob pressão do inquérito sem fim do STF, parte da mobília foi lançada fora do caminhão. A famiglia acima de todos! A espada erguida pelos juízes sobre a cabeça dos filhos do presidente dissolveu as lealdades frágeis. O espectro do impeachment fez o resto. Bolsonaro livrou-se, silenciosamente, do “núcleo ideológico”, ou seja, das camarilhas de idiotas e oportunistas que surfaram a onda da “nova política”.
O governo Bolsonaro 2.0 foi inaugurado pelo abraço úmido do Centrão. No lugar da revolução reacionária, a “velha política” de resultados. As eleições ao comando da Câmara e do Senado — em especial, a derrota de Rodrigo Maia — mostraram que a geringonça poderia funcionar. Guedes, porém, continuava lá, no fundo do palco, encenando truques vulgares à luz pálida de um holofote com filtro.
A gestão responsável de Roberto Castello Branco à frente da Petrobras provocou a segunda ruptura. De olho no preço dos combustíveis e, principalmente, na chantagem perene dos aliados caminhoneiros, Bolsonaro vestiu a armadura de Dilma Rousseff. A empresa pública de capital aberto será convertida, uma vez mais, em loja de conveniência do Planalto. “Um manda, outro obedece”: um general de pijama transformará os piores instintos presidenciais em política de preços da estatal petrolífera.
O governo Bolsonaro 3.0 foi inaugurado na sexta-feira fatídica da confirmação parlamentar da prisão de Daniel Silveira e da defenestração presidencial de Castello Branco. No Congresso, o Centrão deu as costas ao que resta do “núcleo ideológico” e cantou as glórias eternas da democracia, ignorando o pedido de clemência de um valentão de araque que borrava as calças. No Planalto, o presidente bombardeou o castelo já arruinado de Guedes, humilhando publicamente o fiador de seu governo junto ao “mercado”.
Bolsonaro 3.0 consagra uma aliança nem tão excêntrica assim, entre o fisiologismo do Centrão e o corporativismo militar. Numa ponta, situa-se a base de parlamentares sem preferências ideológicas, mas extensa prática no esporte da captura dos fragmentos lucrativos da máquina estatal. Na ponta oposta, um “Partido Militar” que, simulando falar o idioma da ordem e progresso, busca obter privilégios pecuniários para os homens em armas e empregos públicos de prestígio para generais e coronéis da reserva. O retrato da aliança é o general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, plenipotenciário do presidente no balcão de negócios do Congresso.
A esta altura do jogo, a decisão que Guedes rumina só tem relevância simbólica. O amuleto eleitoral de Bolsonaro, falsamente exibido como czar da Economia, pode renunciar, para fingir que leva para casa o falso brilhante de sua dignidade, ou permanecer como vaso ornamental em meio aos destroços de um jardim clássico. Ninguém mais se importa.
O estelionato eleitoral de Dilma Rousseff foi um experimento na mentira. A presidente que trocou o “novo paradigma macroeconômico” pela ortodoxia de Joaquim Levy renunciava a suas convicções para tentar sobreviver à tempestade. O estelionato eleitoral de Bolsonaro é, pelo contrário, um exercício de restauração da verdade. O presidente fecha o círculo, retornando a suas raízes. Roberto Schwarz tinha razão: no Brasil, o liberalismo não passa de uma ideia fora de lugar.
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