Nas próximas semanas, o ministro Gilmar Mendes levará para a mesa da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro no processo da Lava Jato. São pedras cantadas a exposição da parcialidade do doutor e a promiscuidade de suas relações com o Ministério Público. O ministro deu uma pista do que vem por aí ao lembrar que irá além do que chama de “questão Lula”: Será algo “muito maior.”
Põe maior nisso. Gilmar tem assessores passando o pente-fino nas mensagens trocadas em Curitiba. Desde junho de 2019, quando o site “Intercept Brasil” levou ao ar os primeiros grampos dos sete terabytes capturados, eles têm aparecido de forma explosiva, porém desordenada. Colocados em ordem cronológica e contextualizados, revelam a extensão das malfeitorias blindadas pela mística da Operação Lava-Jato.
A última novidade saída dos grampos foi um episódio ocorrido em 25 de janeiro de 2016. Nele, é mencionada a delegada da Polícia Federal Erika Marena, que integrava a equipe. Nas palavras do procurador Deltan Dallagnol: “Ela entendeu que era um pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada. (…) Se o colaborador e a defesa revelarem como foi o procedimento, a Erika pode sair muito queimada nessa… Pode dar falsidade contra ela… Isso que me preocupa”.
Dallagnol propôs um remendo:“Combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. (…) Se não fizermos algo, cairemos em descrédito”.
Havia sido simulado um depoimento que não tinha acontecido, e o caso seria resolvido ricocheteando-se uma notícia que seria plantada na imprensa.
No início de 2016, o juiz Moro ordenava operações irregulares de busca e apreensão:
“Russo deferiu uma busca que não foi pedida por ninguém… hahahah. Kkkkk”, escreveu um delegado da PF.
“Como assim?!”, respondeu uma delegada.
“Normal… deixa quieto…Vou ajeitar…kkkk”.
O depoimento mencionado pela delegada Erika era uma das muitas peças da colaboração do lobista Fernando Moura, um amigo do comissário José Dirceu. Ele havia sido preso, negociara um acordo, mas vinha se desdizendo. Numa audiência, tratando de um caso de corrupção explícita na Petrobras, Moura perguntou ao juiz: “Assinei isso? Devem ter preenchido um pouco a mais do que eu tinha falado.”
Estava feia a coisa. A delegada já havia dado sua versão para o depoimento que não aconteceu: “Usaram meu nome no cabeçalho, mas não tomei e não participei de nenhum termo. Se ele está se desdizendo, infelizmente não haverá gravações.”
Os procuradores negociavam o que um deles chamou de “terceirização dos depoimentos”. (Ganha uma vacina de vento quem souber o que é isso.) O devido processo legal não era devido, nem processo, muito menos legal. Criminalistas veteranos lembram que esse tipo de “depoimento” era prática comum para rábulas bem relacionados com escrivães.
Um procurador exclamou: “Erramos !!” Outro, Júlio Noronha, resolveu a questão com um xeque-mate: Fernando Moura deveria ser “exemplarmente punido, inclusive com prisão — ou o instituto (da delação premiada) sofrerá um abalo”.
Assim, a discrepância foi varrida para baixo do tapete em 2016, e a turma da Lava-Jato pagará a conta em 2021.
O pente-fino da equipe de Gilmar Mendes poderá responder à sua grande pergunta:
“Como nós chegamos até aqui? (…) O que nós fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos isso que se produziu. (…) Sabiam que estavam fazendo uma coisa errada, mas fizeram”.
Um reitor na ficha da delegada
Em maio de 2016, a delegada Erika Marena teve 1.065 votos entre seus pares para substituir o diretor da Polícia Federal. Com a fama da turma de Curitiba, Marena foi retratada pela atriz Flávia Alessandra no filme “A Lei é Para Todos”. Afinal, foi ela quem deu o nome fantasia à operação.
Na manhã de 14 de setembro de 2017, uma semana depois da estreia do filme, a delegada mobilizou 105 policiais e prendeu espetacularmente o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, e outros quatro professores.
Erika Marena acusou-o durante uma entrevista coletiva de obstruir as investigações que apuravam um desvio de R$ 80 milhões do programa de ensino a distância. Depois de ter dormido na cadeia, o reitor foi libertado por uma juíza. Não podia pisar no campus da universidade, em cuja vizinhança vivia. Passadas duas semanas, Cancellier publicou um artigo falando da “humilhação e do vexame” a que havia sido submetido e, no dia 2 de outubro, atirou-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis.
Faço porque posso
Depois do voto de Gilmar Mendes sobre a suspeição de Moro, a turma da Lava-Jato responderá pelas tramoias que armou contra ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Um sai, o outro fica
A diplomacia bolsonarista dá resultados parecidos como de um canhão que só atira pela culatra.
Yossi Shelley, embaixador de Israel e queridinho da família do capitão, foi levado de volta. Exibido e atrevido, suas asas já haviam sido cortadas pela chancelaria de Tel Aviv.
Já o embaixador da China, Yang Wanming, igualmente atrevido, teve sua retirada pedida pelo governo brasileiro e foi mantido no posto por Beijing.
General da logística
O general Eduardo Pazuello foi colocado no Ministério da Saúde porque é um craque da logística.
Estando no cargo, uma partida de vacinas que deveriam ter ido para Manaus acabaram no Amapá. A distância entre a capital do Amazonas e Macapá é de mil quilômetros.
Atribuir a lambança a Pazuello seria injusto, até porque, com seu temperamento, virou saco de pancadas por bobagens alheias.
Mesmo assim, ele deveria refletir. O que aconteceria a um oficial que, no Dia “D”, mandasse um suprimento destinado à Normandia e ele fosse parar em Copenhague, na Dinamarca?
Capitão Galtieri
Uma víbora chama o presidente Bolsonaro de “Capitão Galtieri”.
O general Leopoldo Galtieri presidia a Argentina e era um tipo espetaculoso. Em 1982, teve uma ideia: invadir as Ilhas Malvinas, colônia inglesa perdida no Atlântico. Negou a lógica da ciência militar e foi humilhado por Margaret Thatcher, que desceu com a frota e botou suas tropas para correr.
Ao contrário de Galtieri, Bolsonaro é abstêmio.
250 mil mortos
A “gripezinha” estava no “finalzinho” e a segunda onda era “conversinha”.
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