Gente esforçada, os americanos acordaram cedo para se livrar de papéis da Petrobrás ontem de manhã. Títulos da empresa despencaram 16% no pré-mercado, isto é, antes da abertura oficial do pregão. Ao mexer na empresa, como sempre desastrado, o presidente Jair Bolsonaro assustou também os estrangeiros, importantes fontes de capital para a estatal brasileira. Talvez ele ignorasse, ou ainda ignore, também esse detalhe. No Brasil ações da petroleira estavam em queda de 19% por volta do meio-dia, arrastando para baixo papéis de estatais, como o Banco do Brasil (BB) e Eletrobrás, e o Ibovespa. Esse índice, o principal da bolsa brasileira, recuou 4,84% durante a manhã.
Nessa altura, a Petrobrás acumulava perda de cerca de R$ 100 bilhões de valor de mercado, iniciada no último fim de semana. No fechamento da quinta-feira, a empresa ainda valia R$ 382,99 bilhões. Só na sexta-feira foram perdidos R$ 28,2 bilhões. O presidente prometeu novas intervenções e mencionou o setor de energia elétrica. Mas, no fim de semana, circulou no mercado a hipótese de mudança na direção do Banco do Brasil, ensaiada recentemente, mas ainda irrealizada.
O motivo dessa intervenção seria o programa de fechamento de agências físicas e de redução de pessoal apresentado recentemente pela presidência do banco. O presidente Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB ao condenar moralmente uma campanha publicitária. A censura foi aceita e cumprida, embora incompatível com as normas de administração de empresas como o BB. O presidente da instituição acabou renunciando ao posto, bem mais tarde, por outro motivo.
Mas os danos causados pelo presidente Bolsonaro, incapaz de entender as funções presidenciais e, mais amplamente, a própria noção de governo, vão muito além dos males causados diretamente à Petrobrás ou a qualquer outra entidade vinculada ao poder federal. A incompetência presidencial, manifestada com o máximo de truculência e nenhuma percepção das questões econômicas, legais, sociais e empresariais mais importantes em cada caso, afeta largamente o funcionamento da economia brasileira e as expectativas de quase todos os grupos de agentes.
A piora das expectativas foi claramente mostrada, ontem, no último boletim Focus divulgado pelo Banco Central. Em uma semana, a mediana das projeções da inflação oficial passou de 3,62% para 3,82%. O dólar estimado para o fim do ano subiu de R$ 5,01 para R$ 5,05. A taxa básica de juros esperada para dezembro aumentou de 3,75% para 4%, o dobro daquela em vigor neste momento. O déficit primário (sem juros) do setor público voltou a 2,80% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de haver recuado para 2,70%. O crescimento do PIB foi revisto de 3,43% para 3,29%. Quatro semanas antes ainda se apostava em 3,49%.
Resumindo: as expectativas são de inflação maior, dólar mais caro, rombo fiscal mais amplo, juros mais altos e menor expansão econômica. Outras pesquisas já indicaram piora das expectativas dos empresários industriais e aceleração dos preços por atacado.
Ao comentar reações do mercado, o vice-presidente Hamilton Mourão falou em “rebanho eletrônico”. É um comentário estranho, quando se vê a mudança de orientação de grandes instituições financeiras. Analistas da XP Investimentos, do Bradesco e do Crédit Suisse passaram a recomendar a venda de papéis da Petrobrás. Seus colegas do BTG Pactual e da Mirae Asset foram mais contidos, mas deixaram de recomendar a compra. Nada, no currículo do vice-presidente, parece credenciá-lo para menosprezar dessa maneira a resposta de tantos analistas.
Afinal, trata-se mesmo de uma intervenção grosseira, confirmada pela demissão do presidente da empresa antes do fim de seu mandato. Esse episódio combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia, com a grotesca propaganda da cloroquina, com a imprevidência no caso da vacinação, com sua política armamentista e com a fixação nos assuntos familiares e na reeleição. Nenhum vice-presidente contemporizador poderá disfarçar essas barbaridades.
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