Com sua gastança eleitoreira, o presidente Jair Bolsonaro vai deixar uma bomba fiscal para seu sucessor, dizem especialistas em contas públicas, mas essa previsão, tomada literalmente, é quase otimista. O impacto real atingirá, muito além do sucessor, milhões de brasileiros, com maiores danos para os mais vulneráveis aos desajustes da economia. Os pobres, como tem ocorrido tantas vezes, pagarão uma parte desproporcional da conta. Segundo o Executivo, o Auxílio Brasil de R$ 400 por família só valerá até o fim do próximo ano. Falta explicar como o próximo presidente conseguirá reduzir esse valor. Além disso, o estouro do teto abrirá espaço para gastos adicionais de cerca de R$ 83 bilhões, alterando as condições do Orçamento de forma dificilmente reversível.
Essa irresponsabilidade causará muito mais que problemas contábeis. Gastança imprudente, sem fonte segura de financiamento, desarranja as contas oficiais, aumenta os juros pagos pelo Tesouro, infla a dívida pública e aumenta a insegurança do mercado. As autoridades poderiam, se a sua prioridade fosse de fato ajudar os mais carentes, ter cortado despesas desnecessárias – e de fato injustificáveis – para aumentar o auxílio aos mais vulneráveis. Mas isso ocorreria se houvesse alguma preocupação com o uso eficiente e seguro do dinheiro público.
Não é esse o caso. Trata-se mesmo de atender aos objetivos pessoais do presidente da República, empenhado em garantir sua reeleição e, acima de tudo, em assegurar sua sobrevivência política e a manutenção da família em cargos públicos. Não há, obviamente, relação, nesse caso, entre cargos públicos e interesse público.
Interesse público tem relação, no entanto, com a gestão orçamentária. A última violência contra o teto de gastos, na semana passada, pode ter soado, para algumas pessoas, como a definitiva rejeição da seriedade fiscal. Para outras, a ação de Bolsonaro, respaldada e assessorada pelo ministro Paulo Guedes, foi apenas mais um capítulo de uma história bem conhecida. De toda forma, quatro dos principais auxiliares do ministro renunciaram aos postos, dando sinal de haver chegado a um limite.
Os quatro, disse o ministro Guedes numa declaração pública, saíram porque são jovens, trabalhadores, bem-intencionados e estavam dispostos a trancar o Tesouro, embora fosse necessário ajudar os pobres. Não se deve, segundo ele, tirar 10 em administração fiscal e “deixar os mais pobres passando fome”. A explicação é insustentável. Seria possível, sim, atender os mais necessitados – por tanto tempo menosprezados pelo político Jair Bolsonaro – sem romper a regra fiscal.
A ruptura da regra tem custos muito altos. Investidores inseguros tendem a correr para o dólar e para outros ativos estrangeiros, provocando instabilidade cambial e afetando, dessa forma, os preços internos. Inflação mais intensa inferniza o dia a dia das famílias e torna mais complicada a sobrevivência de milhões de pessoas já pressionadas pelo desemprego e pela perda de renda. Com os preços em alta mais acelerada, o dinheiro fornecido pelo Auxílio Brasil será em boa parte corroído já no próximo ano. Além disso, esse pagamento só está previsto para os inscritos no programa Bolsa Família, fora do alcance, portanto, de milhões de pessoas atingidas, até agora, pela ajuda emergencial.
No mercado, continuam piorando as expectativas de inflação. A mediana das projeções aponta 8,96% para este ano, 4,40% para o próximo e 3,27% para 2023. Os três números estão acima das metas. Também subiram as previsões dos juros básicos, agora estimados em 8,75% para 2021, 9,50% para 2022 e 7% para 2022. A alta de juros é esperada como parte da política anti-inflacionária do Banco Central. Dinheiro mais caro tende a frear o crescimento econômico, recalculado para 4,97% e 1,40% nesses dois anos. Os dados são da pesquisa Focus.
Essas projeções indicam menor criação de empregos, vida mais cara e piores condições para os trabalhadores. É essa a “ajuda aos pobres” encenada pelo presidente e pelo ministro da Economia.
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