O novo ano começa com a esperança de que o tormento do pior governo da nossa história chegue ao fim e a previsão de que a economia nos manterá em terreno árido. O ano passado nos deu uma certeza pelo avesso, a de que o Brasil, colocado no extremo de um presidente sem compaixão e sem capacidade administrativa, consegue governar a si mesmo. O país desenvolveu vacinas, se vacinou, criou consórcio de governadores, manteve-se informado, enfrentou ameaças de golpe, investigou os crimes do governo na pandemia, produziu cultura e montou uma rede de solidariedade para o combate à fome e às tragédias. Na crise aguda da falta de oxigênio em Manaus, a sociedade tentou ajudar.
É resistência que se chama. O país resistiu de inúmeras formas ao descalabro que tem sido Bolsonaro no comando. O presidente apostou no pior, jogou no conflito, investiu em pautas nefastas. Mas o saldo do ano passado é positivo, principalmente porque o socorro veio da ciência. Nos institutos brasileiros de produção de vacinas trabalhou-se duramente. Brasileiros em centros internacionais conectaram o país nas redes de desenvolvimento da imunização. O Sistema Único de Saúde venceu um ministro general que dizia não saber o que era o SUS, e um ministro sabujo que até o último dia do ano tentava retardar a vacinação de crianças. O governo foi sórdido. A sociedade resistiu. Com alta taxa de vacinação, os brasileiros aguardam a onda ômicrom mais seguros, mas ainda vigilantes.
A economia terá novo ano de estagnação, com alto desemprego. Milhões de brasileiros continuarão fazendo este ano o que fizeram nos últimos dois: criar seu próprio trabalho. A taxa de desemprego até outubro, divulgada na última semana do ano, trouxe dados mistos. Na análise do indicador, feita por Álvaro Gribel no meu blog, ficou claro que o mercado não se recuperou. A taxa de desocupação ainda é maior do que antes da crise. Havia um milhão de pessoas a menos na população ocupada. Menos brasileiros trabalhando com carteira assinada. E a renda despencou. É 6,5% menor do que em 2019 e 11% abaixo do que no ano passado.
A inflação declinante é uma solitária notícia boa para o ano que vem, mas sobre ela pesam muitas dúvidas. A primeira é se as tempestades trazidas por La Niña podem afetar a safra. La Niña provoca chuvas no Nordeste e seca no centro-sul do país. Esperava-se que viesse suave, mas aí ocorreram as enchentes da Bahia. O economista José Roberto Mendonça de Barros diz que a perspectiva da safra ainda é boa:
— Em matéria de produção, o que está atrapalhando é a falta de chuva no Rio Grande do Sul e no leste de Santa Catarina e no Paraná. Isso está tirando um pouco da produtividade. Nos últimos dias choveu ligeiramente, reduzindo o déficit hídrico. Tem que continuar acompanhando porque o clima está doido, mas lembrando que o grosso da produção de grãos está no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e sul de Goiás, onde está tudo dentro da normalidade.
A redução da inflação, prevista por todos os analistas, tem algumas premissas. A boa é essa, a da supersafra. As ruins são de que os juros continuarão a subir mantendo a economia em “terreno contracionista”, como diz o Banco Central. A queda da renda vai reduzir alguns repasses de preços. A alta da energia está sendo mitigada através de um empréstimo às distribuidoras que será cobrado dos consumidores, com juros, depois das eleições. E o dólar? Ele chegou a R$ 5,83 no pior momento e fechou em R$ 5,58, com alta de 7,5%. O maior valor para um fim de ano. Como poderá ficar estável em 2022, quando o país terá eleições sob um governo com índole autoritária? Certamente a volatilidade continuará.
Este ano é de travessia. É grande a chance de encerrarmos o governo deletério que deveria ter sido encurtado por impeachment. Nenhuma outra administração mereceu tanto o remédio do impedimento. Mas para que futuro iremos neste ano do nosso bicentenário? O Brasil nos últimos anos pareceu um coração com a artéria principal entupida e que criou atalhos para a circulação do sangue e a sobrevivência. Nesses caminhos alternativos o país foi ficando independente do próprio governo. Essa capacidade de resistência será testada em 2022, porque a natureza deste governo é antidemocrática. Bolsonaro tentará, como fez Donald Trump, melar o jogo democrático. Será preciso estar, como diz a minha geração, atento e forte.
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