Markun revisitou o lava-jatismo
Está nas livrarias “Recurso final” do repórter Paulo Markun. Conta a vida e a morte de Luiz Carlos Cancellier, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que foi preso em setembro de 2017 pela Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal. Nunca fora ouvido e tinha domicílio certo e sabido. Passou dois dias na cadeia, foi algemado e colocado numa espécie de jaula. Libertado, foi proibido de entrar na universidade. Semanas depois, matou-se, aos 58 anos, pulando do sétimo andar de um shopping. No bolso, deixou um bilhete: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade.”
Quando Cancellier foi publicamente humilhado, a Operação Lava-Jato estava no seu esplendor. Passados quatro anos, “lavajatismo” tornou-se um neologismo da língua portuguesa. (Ele originou-se há poucas semanas, quando a Polícia Federal cancelou uma entrevista coletiva que daria moldura espetaculosa a uma operação contra os irmãos Ciro e Cid Gomes, no Ceará.)
Cancellier e seis outros professores da UFSC foram presos sob a suspeita trombeteada de terem desviado R$ 80 milhões de um programa de ensino à distância. (As trombetas tocavam de ouvido, porque nas partituras documentais essa cifra nunca existiu). Markun ouviu dezenas de pessoas e atravessou uma papelada de mais de 20 mil páginas. Seu livro tem três histórias, a da vida de Cancellier, a da futrica acadêmica que levou à sua prisão e a da ruína a que o professor foi submetido. Nessa parte, esteve a lição dos presos da penitenciária para onde os professores foram levados. Eles anunciaram a todos os encarcerados: “Salve, barraco 18, 19, 20 não é pra mexer. Tudo professor da UFSC!” Como se sabe, o “salve” designa as mensagens das facções criminosas.
Naquela noite de setembro de 2017, o crime estava com a cabeça no lugar. Já a ação do Estado era definida por Cancellier, com roupa de preso: “As pessoas estão ficando loucas”.
Markun ficou nas quatro linhas do caso e mostrou como futricas acadêmicas anabolizadas por uma denúncia anônima produziram o que seria um escândalo, matou um professor e acabou como começou, em futricas acadêmicas.
As irregularidades apuradas ao longo de quatro anos pouco ou nada tinham a ver com Cancellier e muito menos justificavam o circo montado para demonizar os professores. Coisa parecida já havia sido feita no Paraná e no Rio Grande do Sul. Era o clima da época e o valor de “Recurso final” está na sua exposição.
Todos os personagens desse drama eram servidores públicos conceituados. Além do caso em si, havia o clima instalado no país. Hoje, ninguém acusa Cancellier. As trombetas de setembro de 2007 guardam silêncio. Por essa razão nenhum deles foi citado nominalmente neste texto. Que vivam em paz.
Em tempo: O ex-juiz Sergio Moro, detonador do lava-jatismo, nada teve a ver funcionalmente com o episódio.
Cesar Asfor ensina
Há dias o advogado Cesar Asfor Rocha, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça escreveu um artigo intitulado “A investigação contra Luiz Carlos Cancellier: um caso para não esquecer”. Nele, ensinou:
“A espetacularização da investigação, nesses alienados tempos do devido processo legal midiático, enseja o surgimento desses juristas de arrebiques que, movidos por uma loucura furiosa, expõem o investigado à mídia e à execração pública, transformando-o em réu antes da abertura do devido processo, antecipando o julgamento e punindo e condenando com frieza e crueldade típicas dos regimes de exceção. Sob o pretexto de fazer justiça, fazem justiçamento, ou justiça com as próprias mãos. Desconstroem um dos principais pilares da democracia, que é a garantia dos direitos individuais. Como a observância das fases do processo legal foi desrespeitada, prevaleceu uma equivocada visão particular e subjetiva de um grupo de agentes públicos.
Essa tragédia precisa ser permanentemente relembrada por oferecer uma valiosa e triste oportunidade de refletirmos sobre o desespero de um inocente que veio a pôr cobro à sua própria vida, depois de sofrer a desgraça de ter a sua honra aguda e injustamente destroçada, revelando o que pode acontecer a uma pessoa quando a democracia e seus freios deixam de existir para ela.
(…)
Caiu sobre o reitor — sendo ele uma autoridade em um país onde é grande a percepção de impunidade — um tipo de vingança não declarada, não assumida, travestida de ‘rigorosa defesa da lei, doa a quem doer’, como se o cumprimento da lei fosse um gesto de heroísmo. O público — entre aturdido, uns, e anestesiados, outros — postado e prostrado diante da TV, é incapaz de perceber que a tragédia da morte é capaz de mostrar o tamanho do equívoco que acontece, inevitavelmente, quando a democracia é trocada por uma covarde valentia, quando o processo legal é substituído por uma cega paixão.
A justiça tardou e falhou para Cancellier.”
Guimarães Rosa disse que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Desde 2017 sabia-se que Cancellier ficaria encantado no desencanto do lavajatismo.
Dr. Strangelove
Quem gostou de “Não olhe para cima” tem à sua disposição uma de suas fontes de inspiração. É o filme “Dr. Strangelove“ (“Doutor Fantástico”, em português). Coisa fina, do diretor Stanley Kubrick, com Peter Sellers numa possível premonição do que viria a ser o professor Henry Kissinger como grão-duque da diplomacia americana.
O filme é de 1964 e seu general maluco guarda até semelhança física com coronel de “Não olhe para cima”, encarregado de explodir o cometa.
Quando “Dr. Strangelove” foi para as telas, era pura ficção. Era, mas hoje se sabe que anos antes, o presidente John Kennedy visitou o comando aéreo americano e fizeram-lhe uma exposição, mostrando os alvos para um ataque nuclear. Kennedy estranhou que tivessem incluído cidades da China. Perguntou a razão para aquilo, visto que a guerra seria com a União Soviética.
O general explicou que os alvos estavam lá porque esse era o plano.
Kennedy, mandou refazer o plano.
Urucubaca
Jair Bolsonaro decidiu passear de moto aquática pelas praias de Santa Catarina enquanto cidades da Bahia estavam alagadas, com milhares de desabrigados e dezenas de mortos.
Em 2010 as chuvas destruíram diversas localidades no litoral sul do Estado do Rio e na Ilha Grande.
Sérgio Cabral estava em sua casa de Mangaratiba e lá ficou: “Eu não faço demagogia”.
Boa notícia
Este será um ano de solavancos e nele, valerá a pena seguir o conselho do senador Tasso Jereissati: “As instituições precisarão ser fortes, trincar os dentes”.
A boa notícia é que seis candidatos à presidência, entre eles Ciro Gomes, João Doria, Sergio Moro e Simone Tebet, prometem batalhar pelo fim da reeleição.
Lula e Bolsonaro também prometiam, mas mudaram de ideia. De qualquer forma, a promessa de um fim para essa praga política já é alguma coisa.
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