Desde a deflagração da Operação Acesso Pago, que investiga indícios de crimes no Ministério da Educação (MEC) e levou à prisão do ex-ministro e pastor Milton Ribeiro – suspensa depois por decisão de um desembargador –, os desdobramentos envolveram ainda mais o presidente da República no escândalo. Jair Bolsonaro tem muito a explicar sobre o caso em si – pastores negociando verbas da Educação sob as bênçãos do Palácio do Planalto – e também sobre a independência da Polícia Federal (PF). São graves as suspeitas de interferência de Jair Bolsonaro na corporação.
Na sexta-feira, foi divulgado um áudio no qual Milton Ribeiro relata, em ligação telefônica com a filha, ter sido avisado por Jair Bolsonaro a respeito da possibilidade de medidas investigativas contra o pastor. “Hoje o presidente me ligou. (...) Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa”, diz o ex-ministro da Educação.
O áudio é muito grave. Significa que o presidente da República teria repassado a um investigado informações sobre os passos futuros de um caso que envolve o próprio governo. Se confirmado, é um explícito abuso da função pública, pondo em risco a investigação da PF.
O episódio recorda a denúncia de Sergio Moro em abril de 2020, quando o ex-ministro da Justiça relatou ao País que Jair Bolsonaro “queria ter (na PF) uma pessoa de contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência, seja o diretor, seja o superintendente”. Para ilustrar a gravidade do problema, Moro fez a seguinte comparação: “Imaginem se, durante a Lava Jato, ministros, ou a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula, ficassem ligando na superintendência de Curitiba para colher informações sobre investigações em andamento?”. Imaginem.
Corretamente, o juiz Renato Coelho Borelli, da 15.ª Vara Federal Criminal, devolveu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o inquérito da Operação Acesso Pago. Não há como tapar o sol com peneira: há suspeitas de envolvimento do presidente da República no caso, razão pela qual Bolsonaro tem de ser investigado.
Além do áudio do pastor, causou perplexidade a resistência da PF em cumprir integralmente a ordem judicial sobre o local para o qual deveria ser levado o ex-ministro da Educação. Em vez da Superintendência da PF em Brasília, como ordenara o juiz de primeira instância, o pastor foi conduzido para a carceragem da corporação em São Paulo, sob a ridícula alegação de falta de recursos. Segundo o delegado Bruno Calandrini, responsável pela operação, a recusa da PF foi uma “demonstração de interferência na condução da investigação”, o que parece óbvio.
Essa situação coloca ainda mais dúvidas sobre a independência da PF no governo de Jair Bolsonaro. Pelo que se viu, em determinados andares da PF, ordem judicial que desagrada ao Palácio do Planalto recebe tratamento diferenciado.
O fato é que, quando se trata dos amigos de Bolsonaro, a lei não vale, muito menos a moralidade. Para o presidente, seu ex-ministro pode ter se envolvido apenas em “tráfico de influência”, o que, segundo ele, é “comum”. Ora, tráfico de influência pode ser “comum” no indecoroso mundo bolsonarista, mas no Brasil é crime, conforme o artigo 332 do Código Penal – “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função” –, com pena de dois a cinco anos de reclusão.
Ademais, para Bolsonaro, o escândalo do MEC “não foi corrupção da forma que se via em governos anteriores”. Ou seja, na pervertida régua moral do bolsonarismo, seu governo, em vez de ser acusado, deveria ser louvado porque esse caso de corrupção aparentemente não tem a mesma dimensão dos crimes cometidos nos governos petistas.
Mas sejamos realistas: de Bolsonaro e do Centrão não se esperava outra coisa senão uma constrangedora tentativa de negar ou relativizar o que a esta altura está à vista de todos. Por essa razão, é preciso que as autoridades ainda não contaminadas pelo cinismo bolsonarista investiguem esse caso a fundo e punam quem deve ser punido – não importa que cargo ocupe.
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