Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".
Esse ano completo 30 anos de vida profissional. Quando comecei a trabalhar como estagiário do extinto Jornal da Tarde, em 1992, aos 16 anos, o mundo era outro. O fantasma da ditadura, que havia terminado apenas 7 anos antes, já se dissipava e apesar do governo errático de Fernando Collor, era nítido que havia esforços para recuperar o país depois de 20 anos nas mãos de militares ignorantes e trogloditas. O mundo era ruim, mas havia uma enorme esperança de que depois de varrer de volta para o ostracismo aquelas pessoas que tanto mal fizeram ao país, ninguém mais iria segurar o Brasil, até então conhecido e festejado como "país do futuro".
O futuro daquele tempo é hoje, como li ontem em O Globo reportagem de Cássia Almeida que mostra que o Brasil retrocedeu até três décadas nos últimos dois anos (o período da pandemia), em indicadores de áreas como economia, educação e meio ambiente. A jornalista mostra através de números e depoimentos de especialistas que a fome, a evasão escolar, a pobreza, o desmatamento e a inflação nos levaram de volta para o passado e que vai ser muito lenta e difícil uma eventual recuperação.
Bolsonaro já superou o famoso slogan do ex-presidente Juscelino Kubitschek, "50 anos em 5", só que ao contrário. Ele fez o Brasil retroceder 30 anos em apenas 2. Como nunca foi bom em nada, Bolsonaro escolheu ser o melhor entre os piores e parece que está sendo muito bem sucedido na missão.
Tudo o que vi ser construído a duras penas nesse país parece que foi perdido desde que Bolsonaro assumiu a presidência. Os anos de arrumação econômica de FHC, a explosão de consumo e a inclusão social do governo Lula, Copa do Mundo, Olimpíada, aquela capa da "The Economist" com o Brasil decolando e a sensação de que, apesar de ainda estarmos muito longe do ideal, estávamos em um caminho que finalmente parecia certo. Havia uma sensação de alívio, como se tivéssemos chegado a um patamar de democracia a partir do qual não haveria mais retrocesso. Só que não foi bem assim.
Em 1992, ano em que comecei a trabalhar, o Brasil tinha 33 milhões de pessoas com fome e o Jardim ngela, na zona sul de São Paulo, havia sido considerado pela ONU o lugar mais violento da terra, com o escandaloso índice de 116 homicídios por 100 mil habitantes. Nos salões da ECO92, o assassinato de Chico Mendes quatro anos antes seguia na pauta enquanto nos supermercados a inflação continuava comendo o salário dos trabalhadores, que ainda se recuperavam do trauma do confisco da poupança feito pelo então presidente Fernando Collor, hoje aliado de Bolsonaro, claro.
Levamos 12 anos para finalmente sair do Mapa da Fome, em 2014, e hoje temos os mesmos 33 milhões de pessoas passando fome que existiam em 1992. Em quatro anos, Bolsonaro estimulou a violência policial, a formação de milícias e encheu as ruas de armas de todos os calibres, botando em risco a população. Ao invés de Chico Mendes, hoje discutimos a morte de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia, que com as bençãos do presidente atingiu níveis recordes de desmatamento, violência e desrespeito aos povos indígenas. Parece que para cada passo a frente, damos outros 5 para trás. A reeleição de Bolsonaro esse ano seria uma tragédia sem precedentes para o país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário