quarta-feira, 22 de junho de 2022

PASTORES ENTRAM NA DANÇA NO PAÍS DAS RACHADINHAS

Vinicius Torres Freire, Folha de S.Paulo

SÃO PAULO, Pastores entraram na dança do país das rachadinhas. São acusados de cobrar pedágio para fazer com que uma parte do dinheiro do Orçamento federal chegue a um município, em geral uma cidadezinha. Pode ser dinheiro de emenda parlamentar ou de um arranjo qualquer entre o governo federal e a cidade.

O governo está quebrado e as empresas públicas haviam sido mais ou menos protegidas de roubança por causa da Lei das Estatais, essa que Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e o poderoso centrão querem derrubar. Sobrou a rachadinha, favorecida por um sistema de irracionalidade administrativa que banca os caciques chinelões da política brasileira.

Mandar dinheiro para as cidades governadas por amigos e parentes é um meio de usar o dinheiro público para manter o curral eleitoral e se reeleger. Há quem roube, picadinho, mas o caso em geral é uso picotado de recursos escassos em pequenas obras ou despesas sem qualquer avaliação de prioridade, eficiência ou necessidade. O importante é ter "força em Brasília", um deputado poderoso, um lobista, um pastor.

No casamento com o centrão, Bolsonaro entregou de vez como dote o controle do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde os pastores presos circulavam, e a Codevasf, essa estatal que toca obras no interior pobre de Minas, Nordeste e agora Norte. As suspeitas ou evidências mais gritantes de desvio, superfaturamento, roubo aberto e outros rolos vêm daí.

Emenda parlamentar é uma modificação do projeto de lei do Orçamento que o governo envia ao Congresso. São milhares por ano. Em termos de valor pago (despesa realmente liquidada), equivalem a 1% do Orçamento federal (uns R$ 16 bilhões), embora os valores empenhados (promessa firme de gastar em algo, digamos) seja o dobro disso.

Parece pouco. Mas cerca de 94% ou 95% do Orçamento tem destino obrigatório, carimbado por um motivo ou outro. Logo, deputados e senadores decidem o que fazer de uns 20% do que resta do dinheiro "livre" no Orçamento.

Lira e turma decidem o destino de parte relevante desse dinheiro das emendas. É poder no Congresso, o que facilita a reivindicação e ocupação de feudos no governo, e é dinheiro bastante para evitar concorrência política no curral. A turma manda dinheiro para a cidadezinha governada por pai, mulher, filho, cunhada, sobrinho etc.

As emendas parlamentares muita vez bancam a compra de caixa-d’água, asfalto, trator, a obra de uma ponte, um posto de saúde, quadra de futebol, show, festa, carteira escolar; por vezes a compra de uma massa de aparelhos eletrônicos para escolas (kits de robótica para escolas em ruínas, como mostrou esta Folha, por exemplo). Vez e outra bancam obras maiores. Em média, dois terços vão para despesas em saúde. Uma emenda é uma mudança ou determinação de gasto do Orçamento federal.

Por que o dinheiro para um posto de saúde ou trator está em Brasília, administrado por uma burocracia grande e por vezes pilhado na mão grande? Mesmo se tudo estivesse certinho, é uma ineficiência. De resto, como fiscalizar a execução de 10 mil ou 20 mil emendas parlamentares?

Ainda que seja necessário que um governo federal para administrar parte do bolo de impostos para cidades pequenas e sem dinheiro, não há critério de política pública ou prioridade para distribuí-las. Não tem norma impessoal. Quem tem "força em Brasília" ou dá uma barra de ouro para o pastor leva o tutu. Por definição, é quase uma improbidade. Se o presidente indica uns amigos pastores para achar o caminho das pedras para o dinheiro, é com certeza improbidade. Falta apenas comprovar a roubança.

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