domingo, 3 de julho de 2022

CRIPTOMOEDAS, ANO DO PERIGO

Ronaldo Lemos, Folha de S.Paulo

O mercado de criptomoedas está nervoso. Aliás, qualquer mercado de inovação também está. Desde abril de 2022, o mundo mudou completamente. Os tempos de dinheiro barato, juros e inflação baixos não correspondem mais à realidade.

Empresas que viviam basicamente do dinheiro proveniente de fundos de capital de risco viram a fonte secar. No Brasil, a regra para a maioria das startups está sendo de ajustes e demissões. Apareceu até o site Layoffs Brasil, que está compilando as demissões no setor de inovação. É muita gente boa e qualificada sendo dispensada. A ideia é ajudar na recolocação dessas pessoas. Tudo isso em meio a números dramáticos, com algumas empresas demitindo 400 pessoas de uma vez.

Se as empresas de inovação estão assim, o que dizer então do mercado de cripto? Sem nenhum rodeio, este é um ano em que esse mercado vive risco de morte.

Um sinal claro disso foi o colapso do ecossistema da moeda chamada luna. De moeda especulativa preferida de investidores globais, a luna simplesmente colapsou, e seu valor praticamente desapareceu. Ainda mais grave, essa criptomoeda sustentava uma moeda digital estável atrelada ao dólar chamada UST. A ideia dessas moedas estáveis é justamente ter paridade permanente com o dólar, sem nenhuma flutuação (por isso são chamadas de stablecoins).

Um dos espetáculos mais dramáticos do ano foi acompanhar a stablecoin UST perder sua estabilidade, cambalear e logo depois morrer, vaporizando os investimentos de centenas de milhares de pessoas.

A verdade é que esse colapso quase matou todo o mercado de cripto. Para tentar conter a derrocada da UST, os gestores do ecossistema haviam acumulado uma quantidade avassaladora de bitcoins. No desespero, começaram a vender essas reservas, fazendo com que a instabilidade contaminasse o mercado como um todo.

O resultado está aí até agora. O aumento dos juros, conjugado com a percepção de risco sistêmico revelado pelo colapso da luna, derrubou os preços das criptomoedas e tem levado progressivamente à falência fundos que se especializaram em cripto. Apesar de alguns dias positivos, o viés de baixa do mercado continua, bem como um pessimismo raramente visto, justamente em um mercado que se sustenta em boa parte em cima do entusiasmo dos seus participantes.

E agora? Há alguns movimentos importantes em curso. O primeiro é a regulação. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, chegou a hora de discutir seriamente a regulação desse mercado. Outro movimento diz respeito à valorização de criptomoedas que possuem utilidade e aplicação reais, seja gerando eficiências, seja funcionando como infraestrutura competitiva com relação a outras existentes.

Nesse sentido, as moedas puramente especulativas que não servem para nada (muitas delas chamadas de shitcoins) devem ter um caminho ainda mais turbulento pela frente.

Mas há razões também para otimismo. Processos de tokenização de bens de interesse comum, como energia e carbono, têm hoje uma oportunidade singular. Inclusive o Brasil, com seu potencial verde gigantesco, pode se beneficiar se souber aproveitar a estrutura dos mercados de cripto para alavancar o financiamento global de carbono, serviços ambientais e energia no país.

Em suma, tempos interessantes. É mentira que as palavras crise e oportunidade são representadas pelo mesmo caractere em chinês. Na verdade, a palavra crise contém um caractere que está contido também na palavra oportunidade. Não são a mesma coisa, mas um contém elementos do outro. Essa é uma metáfora mais cautelosa para descrever o mercado de cripto no momento.

Já era Luna e UST

Já é Questionar qual stablecoin é realmente estável

Já vem Regulação do mercado de cripto

Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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