sábado, 31 de dezembro de 2022

DECLARAÇÕES DE HADDAD APONTAM DIREÇÃO CORRETA

Editorial O Globo

Futuro ministro da Fazenda acerta ao manifestar desejo de “arrumar a casa”, mas também desperta preocupação

Trouxeram certo alívio as declarações do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao GLOBO. Seu principal recado: é preciso “arrumar a casa” logo no início do governo, revisando gastos e desonerações promovidos pelo governo Jair Bolsonaro que, segundo ele, resultaram num impacto fiscal equivalente a 3% do PIB. Haddad também se comprometeu a obter um resultado primário em 2023 melhor que o déficit de R$ 220 bilhões previsto no Orçamento. É um alento saber que ele reconhece a situação crítica das contas públicas e se esforçará para equilibrá-las.

Caso cumpra os compromissos, ajudará a criar confiança na política econômica do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, abalada depois da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, que acabou com a credibilidade do teto de gastos e semeou dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública.

Haddad também voltou a dizer que a reforma tributária será uma das suas prioridades — decisão corretíssima. A barafunda de impostos é um entrave ao crescimento. Simplificar a estrutura tributária não será fácil, pois o Congresso sofrerá pressão dos beneficiários da bagunça atual. Por isso Haddad faz bem ao afirmar que tratará do tema logo nos primeiros meses de 2023.

Noutra declaração no rumo correto, ele destacou a necessidade de conciliar política econômica e visão ambiental: “No Brasil, as fontes de energia novas, como o hidrogênio, a eólica, têm um potencial incrível”. Por fim, prometeu não ficar preso a dogmas. Tratando-se de quadro do PT, é uma afirmação alvissareira. “Quem tem uma postura dogmática (...) e não sai daquele quadrado nem quando as evidências demonstram, tem pouca sensibilidade”, afirmou. Um governo petista que tome decisões econômicas com base em evidências será um enorme avanço diante da ruína causada pela obstinação da gestão Dilma Rousseff.

Alguns tópicos da conversa com a colunista do GLOBO Míriam Leitão, porém, despertam preocupação. A maior é o que Haddad chamou de “parceria” entre ele e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC). A missão de Campos Neto é combater a inflação. A única parceria possível dele com Haddad é o futuro ministro controlar o gasto do governo e resgatar a credibilidade fiscal, para não tornar a política monetária inviável. Se pensa de outro modo, Haddad precisa ser transparente. A declaração sobre a necessidade de “buscar um caminho diferente” para a economia com ajuda do BC é ambígua. É verdade que o novo governo está blindado do populismo monetário graças à autonomia do BC, mesmo assim é preciso ficar atento a um risco que no passado recente — governo Dilma — se revelou desastroso.

Na entrevista, Haddad disse não ser “economista de profissão”, mas de “formação” (ele tem mestrado em economia). Traz no currículo uma experiência enriquecedora: o ajuste fiscal que ajudou a promover na prefeitura paulistana, como subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico na gestão Marta Suplicy, em 2001. Naquele período, havia administrações petistas que se destacavam pela responsabilidade fiscal — a gestão em Ribeirão Preto projetou Antonio Palocci ao Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula. Seria fundamental que Haddad buscasse inspiração nesses exemplos, e não na incúria demagógica que marcou o governo Dilma.

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