sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

UMA NOVA VISÃO DO GOVERNO QUE ASSUME

Claudia Safatle, Valor Econômico

Pedido para que desoneração dos combustíveis não fosse prorrogada contou pontos a favor da racionalidade econômica de Lula e sinalizou que ele está atento às questões fiscais.

Quando assumir o cargo de presidente da República, domingo, Luiz Inácio Lula da Silva estará buscando implementar uma nova visão de governo na política econômica. Uma ótica que privilegiaria a demanda e cuja sustentação acadêmica encontra-se na Universidade de Campinas. Seria preciso, portanto, aumentar a renda para as pessoas comprarem mais bens e serviços, com isso, colocar-se-ia a economia para rodar. O Estado, ao aumentar o gasto, acabaria gerando mais renda, o que se reflete no orçamento.

Fala-se muito hoje em conflito distributivo e em justiça social, o que é um imperativo urgente, mas é raro ouvir alguém, no governo que assume, discorrer sobre eficiência econômica, produtividade e competição. Essa é uma mudança grande de foco. A visão econômica de que o Estado, ao gastar, produz renda, parece uma leitura parcial de Keynes, que é verdade quando a economia está em recessão ou depressão. Mas quando não está, não dá para desconhecer a reação da oferta.

Há um equívoco quando os políticos dizem que precisamos crescer para resolver os problemas do Brasil. Na verdade, precisamos resolver os problemas do país para crescer. O crescimento é resultado. O gasto do Estado é importante, mas não é suficiente. E sobre isso ainda vem a questão de que não há problema no Estado se endividar na sua própria moeda. Não há risco de solvência. Se o gasto do setor público resolvesse os problemas estruturais, nenhum país os teria.

É até verdade que não haveria risco de insolvência, porque bastaria resgatar a dívida e monetizá-la. Se não houver, porém, expansão da oferta de forma quase que simultânea, duas coisas devem acontecer: haverá aumento dos preços porque a demanda terá aumentado; e uma parte dela vai se extravasar para as importações. Isso aconteceu no Plano Cruzado, quando houve elevação dos salários e teve ainda a queda abrupta da inflação e a demanda explodiu. Ali foi um problemão, pois não havia reserva cambial para sustentar um aumento expressivo das importações. Hoje, essa poderia ser inclusive uma forma de se fazer uma transição para um aumento efetivo da oferta.

Será que este seria o melhor momento para se implementar essa visão econômica no país? Os políticos dirão que não dá para esperar mais. É sustentável? É difícil porque os países competem entre si.

O fato é que o ministério montado pelo presidente da República não conquistou corações e mentes, deixando a dúvida sobre a sua capacidade de executar tão relevante missão.

A China, quando manteve os salários no resto do mundo achatados, fez isso pela concorrência. Não perguntou para ninguém. Eles alegam que tiraram 800 milhões de pessoas da pobreza. Os demais países não tiveram condições de competir.

Há duas formas de se ver o mundo: uma, que a humanidade é colaborativa e solidária; a outra, que é mais dura, considera que o jogo econômico é competitivo. Se a visão dominante é dos que consideram o jogo competitivo, terá que se olhar mais para a eficiência econômica.

Alias, a agricultura no Brasil é o que é hoje porque está exposta a competição internacional das commodities. Ou ela recebe investimentos ou não teria como exportar.

Lula já declarou que não vai privatizar mais e quem quiser se instalar no país terá que criar uma empresa do zero. Quando se compra uma empresa existente, não há criação de novos empregos num primeiro momento, mas se a empresa ficar mais eficiente, competitiva, ela terá que ter investimentos.

Não dá para desconsiderar os problemas sociais que o Brasil acumula. O país já faz, no entanto, bastante transferências (entendidas como pagamentos a pessoas sem que elas produzam ou, ainda, aumento de salários sem ganhos de produtividade).

Nas últimas eleições, quando um dos candidatos apresentou-se com uma visão aparentemente diferente para a política econômica, a taxa de câmbio subiu, e os juros se abriram, mas ao vencer o pleito esse candidato esclareceu quais eram as suas propostas e o cambio voltou e os juros caíram. Agora, isso não aconteceu, e o que se ouviu do governo foi que o mercado gosta de especular.

“Mas se eu vou governar e quero que dê certo eu tenho que reduzir as incertezas e não aumentá-las. Tenho que usar o mercado a favor do meu governo. Mas o que eu estou vendo é as pessoas parando para ver como será o governo”, disse uma experiente fonte do mercado financeiro.

Agora, cada pequeno sinal é observado com lupa. A informação de que o ministro indicado para a Fazenda, Fernando Haddad, pediu a Paulo Guedes que não prorrogasse por mais 30 dias a isenção de impostos sobre combustíveis, por recomendação de Lula, foi contabilizada como pontos a favor da racionalidade econômica do presidente eleito. É um sinal de que ele está atento às questões fiscais. E se é assim porque no discurso Lula tem alimentado as incertezas, fomentado os riscos?

Isso onera mais os custos do seu governo. Só em taxa de juros sobre a dívida mobiliária são cerca de 200 pontos base. Um ônus, em tese, desnecessário.

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