Os atos de 8 de janeiro puseram por terra a particular percepção de Augusto Aras de que não havia nada de anormal ocorrendo no País. Desde então, o procurador-geral da República deu início a uma série de iniciativas que, a bem da verdade, deveriam estar em funcionamento havia muito tempo. De toda forma, é preciso reconhecer: antes tarde do que nunca.
No dia 10 de janeiro, Augusto Aras instituiu, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Comissão Temporária de Defesa da Democracia. Segundo o comunicado oficial, o objetivo da comissão é acompanhar a atuação do Ministério Público na defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito. Ora, era exatamente sobre isso que a sociedade vinha questionando a Procuradoria-Geral da República (PGR) desde 2019. Se a missão constitucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, o que a PGR fez diante das várias afrontas e ameaças antidemocráticas de Jair Bolsonaro e de seus seguidores?
Outra iniciativa de Augusto Aras depois dos atos de 8 de janeiro foi a criação do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, destinado a coordenar as ações e o trabalho de investigação dos crimes junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às demais instâncias de atuação do Ministério Público Federal (MPF). Segundo a Portaria 24/2023, a participação da PGR no caso faz-se necessária diante da necessidade de identificar “autoridades com prerrogativa de foro que tenham participado, cooperado ou incentivado os atos antidemocráticos”.
Aqui, uma vez mais, fica evidente a incrível cegueira da PGR até o dia 8 de janeiro. Há muito tempo eram abundantes os indícios de que autoridades com foro privilegiado estavam participando, cooperando e incentivando eventos e ameaças contra o regime democrático. Que a PGR, despertada pela brutalidade dos atos de 8 de janeiro, não atenue a responsabilidade dessas pessoas e tome as medidas legais cabíveis.
No dia 16 de janeiro, o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos apresentou a primeira denúncia contra 39 pessoas envolvidas na invasão e depredação das dependências do Senado Federal no dia 8 de janeiro. Na ação, foi pedido o bloqueio de R$ 40 milhões em bens dos investigados, para reparar danos materiais e morais.
Entre os crimes elencados na acusação estão associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União. A mera lista dos tipos penais revela a gravidade das ações dos bolsonaristas e, por consequência, a gravidade das atenuações feitas ao longo desses três anos e meio pelo procurador-geral da República, afirmando que tudo estava em ordem. Recorde-se que, para Augusto Aras, o 7 de Setembro do ano passado, capturado pelo presidente Bolsonaro para fins eleitorais, foi “pacífico e ordeiro, sem violência”, ignorando a grande tensão que cercou a cerimônia, que exigiu medidas extraordinárias de segurança.
O País precisa de um Ministério Público atuante e impessoal, que cumpra zelosamente suas funções institucionais. Nos últimos anos, a PGR foi palco de atuações pouco alinhadas aos trilhos constitucionais, seja com os excessos de Rodrigo Janot, seja com as omissões vistas até o fim de 2022. Não é papel do órgão arbitrar pendências políticas ou promover a judicialização de assuntos que, num regime democrático, devem ser decididos pelo Legislativo. Mas também não é sua função proteger o presidente da República ou fazer a representação da categoria, como almejam os defensores da lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República.
A missão do Ministério Público é servir à lei e, para tanto, ele não pode estar subordinado a interesses políticos ou corporativistas. Os atos de 8 de janeiro explicitaram a relevância do seu trabalho – e da sua omissão.
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