Faltaram os detalhes sobre como vai compatibilizar as duas coisas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu primeiro discurso no cargo, prometeu um Estado desenvolvimentista e nacionalista com responsabilidade fiscal e monetária. O que faltou foram os detalhes sobre como vai compatibilizar as duas coisas.
No recado mais direto ao mercado financeiro, chamou o teto de gastos públicos de uma “estupidez” e indicou que vai extingui-lo. Apesar da frase de impacto, isso já estava na conta da maioria. Desde a eleição, o Banco Central e o mercado já haviam se conformado que a regra fiscal será substituída por uma nova, provavelmente que envolva uma trajetória de superávits primários que coloque a dívida pública em trajetória sustentável.
Lula voltou a citar três palavras que, desde a campanha eleitoral, vinha usando para tentar conquistar a confiança dos investidores: responsabilidade, credibilidade e previsibilidade. Até agora, não foi suficiente. Desde a eleição, o mercado colocou prêmios na curva do juros, e o dólar não caiu ante ao real como diante outras moedas.
A maior parte do discurso foi para afirmar o que provavelmente será um governo nacionalista e desenvolvimentista, com forte atuação do Estado nas engrenagens da economia.
Ele citou os bancos públicos pelo menos três vezes, uma para queixar-se que foram “dilapidados” no governo passado, outra para destacar a sua função no financiamento das atividades produtivas e uma terceira vez para dizer que estava tomando medidas para resgatar o seu papel.
“O Brasil é grande demais para renunciar ao seu potencial produtivo”, afirmou o presidente. “Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataforma de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites.”
Não existe, a princípio, uma oposição entre um governo desenvolvimentista e a responsabilidade fiscal e monetária. Bandeiras defendidas por Lula, como a reindustrialização, foram empunhadas recentemente pelo presidente americano, Joe Biden.
A questão é como as contas vão fechar. A meritória recomposição do Orçamento na área social, depois da destruição no governo Bolsonaro, ao cabo significa mais gastos. Para haver superávit primário, é preciso cortar outras despesas ou aumentar impostos. Lula não falou sobre a reforma tributária.
O uso dos bancos públicos em políticas desenvolvimentistas significa injetar dinheiro público, seja para levantar funding ou oferecer juro mais baixos. No passado, isso foi feito de forma pouco transparente, com subsídios implícitos, fora do Orçamento, e a coisa acabou se degenerando para as pedaladas fiscais que levaram ao impeachment da Dilma.
Lula não citou reformas econômicas que aumentem a produtividade da economia, uma das marcas de seu primeiro mandato. Pelo contrário, mencionou o desejo de rever a reforma trabalhista, que o BC e economistas ortodoxos acreditam que permite ao país operar com um desemprego menor sem causar pressões inflacionárias,
O destaque foi no papel do consumo para puxar a economia, dentro da agenda desenvolvimentista. “A roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central nesse processo.” Essa receita funciona quando a economia opera com capacidade ociosa, o que atualmente não é o caso.
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