A velocidade dos fatos tem sido tão vertiginosa que custa crer que, nesta quarta, o governo Lula completa apenas um mês. A tentativa golpista do 8 de janeiro, a questão militar e a tragédia Yanomami tiveram a marca das crises. Junto com a repercussão da retórica presidencial mais próxima do ideário de esquerda do que o centro esperava — apesar da ação cautelosa do ministro da Fazenda na questão fiscal — e dos acordos de divisão do poder com a turma que vai controlar o Congresso a partir de quinta-feira, seria material suficiente para ocupar a agenda do ano inteiro. Mas muito mais virá, sobretudo com a entrada em cena do novo Legislativo. A análise dos últimos 30 dias aponta movimentos políticos que vão impactar o futuro:
Reeleito, Artur Lira vai cobrar mais — até reforma ministerial – Ninguém espere ver um Lira bonzinho depois de reeleito para a presidência da Câmara com o apoio de um bloco que vai do PT ao PL de Bolsonaro. A extinção do orçamento secreto pelo STF tirou do deputado superpoderes que lhe permitiam mandar no governo anterior, mas não o transformou num leão desdentado. Ainda terá muito poder — reforçado pela votação expressiva que deverá ter —, controlando a maioria da Casa, as votações dos projetos do Executivo e a Comissão de Orçamento. Engoliu temporariamente a irritação com o PT, que vetou seu preferido para o Ministério da Integração, o deputado Elmar Nascimento (União-BA), mas vai à forra. E, segundo aliados, parece que uma Codevasf só não vai resolver o problema, pois Lira continua querendo um ministério para chamar de seu — que pode sair da cota do União: Integração (Waldez Góes), Turismo (Daniela do Waguinho) e Comunicações (Juscelino Filho).
A implacável Lei do Vale Quanto Pesa – Uma divisão interna do União, que é resultado da fusão do ex-bolsonarista PSL com o DEM, está deixando os três personagens supracitados na berlinda. Entre deputados, a narrativa é de que esses nomes do partido na Esplanada, inclusive os deputados, foram indicados pelo poderoso senador Davi Alcolumbre (AP), e não seriam representativos da bancada. O amapaense Waldez Goes, por exemplo, é do PDT. Por isso, não há certeza quanto ao apoio maciço dos dez senadores e 59 deputados da legenda ao governo. O Planalto já mandou dizer que ficará de olho — e fará substituições se o União não entregar o que prometeu. A faca de Lira no pescoço de Lula pode apressar as coisas. Ou não.
A desjudicialização da política como sinal de paz – No Congresso, o discurso do presidente da República, na reunião dos governadores, pedindo que os políticos parem de recorrer ao STF contra decisões do Legislativo com as quais não concordam, foi interpretado como sinalização de Lula a Lira. Além de realmente estar empenhado em devolver cada poder à sua casinha depois da bagunça institucional de Bolsonaro, teria feiro o aceno para atenuar o ressentimento do deputado, que não tira da cabeça que houve dedo do governo na decisão do Supremo de acabar com seu orçamento secreto.
Lula faz política e Haddad faz as contas – Lula recebeu por gravidade o apoio do centro diante da ameaça à democracia, e aproveitou as primeiras semanas de governo para fazer um discurso dirigido sobretudo ao campo progressista — como que reafirmando suas convicções políticas diante da inevitabilidade de, a partir de agora, ter que fazer concessões a um Congresso conservador para governar. Criticou a insensibilidade do mercado, chamou Michel Temer de golpista, retomou a liderança da esquerda na América do Sul e até reeditou a política de investimentos do BNDES em projetos na região. Deixou de cabelos em pé o pessoal do mercado — aquele que pouco se abalou com rombos fiscais eleitoreiros de Bolsonaro mas desconfia de Lula por princípio. Só quem não conhece o petista pode se assustar. Enquanto o presidente faz política, Fernando Haddad faz as contas. O ministro anunciou um pacote de ajuste fiscal e circulou por Davos, onde foi bem recebido pelo capital internacional. Tudo por determinação do chefe, numa divisão de tarefas que deve caracterizar esse governo.
Dino virou superministro, e por isso está no alvo – Impossível imaginar o que teriam sido os dias subsequentes aos ataques do 8 de janeiro sem a atuação firme, eficiente e — por que não? — midiática do ministro da Justiça. Passados os piores momentos da crise, porém, colegas de Esplanada e lideranças do Congresso estão enciumados. Além de notícias plantadas tentando passar a ideia de que ele poderia ter feito algo mais para evitar os ataques — o que não se confirma —, preparam-se para torpedear medidas do pacote anti-golpe que ele anunciou e entregou ao presidente Lula. Cotovelaço.
Adivinha quem vai voltar – Ele mesmo, o governador Ibaneis Rocha, aquele que insistiu em nomear Anderson Torres para a Secretaria de Segurança e foi acusado de omissão no 8 de janeiro. Afastado do cargo por 90 dias, o governador do DF era dado como carta fora do baralho no início da intervenção na capital, quando as atenções se dirigiram para sua vice, Celina Leão. Uma força-tarefa do PP chegou a iniciar articulações para mantê-la em definitivo. Ibaneis, porém, foi mais rápido. Advogado com vasto relacionamento nos tribunais superiores, muitos recursos financeiros para sua defesa e a ajuda do ex-presidente Michel Temer — responsável pela indicação ao STF de Alexandre de Morares, o juiz que o afastou — o emedebista está construindo a volta. Até porque, até agora, as investigações não chegaram a nenhum elemento mostrando que houve, da parte dele, mais do que negligência e incompetência. Se tudo continuar assim, pode reassumir o Buriti até antes do prazo.
E quem não vai? – Bolsonaro, ao menos até ver melhor o rumo das investigações do 8 de janeiro, principalmente depois do depoimento de Anderson Torres, ainda esta semana.
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