Em mais um insulto aos princípios republicanos, Bolsonaro bancou motociatas.
A violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública, previstos no caput do artigo 37 da Constituição, foi uma constante no governo de Jair Bolsonaro. A rigor, desde muito antes de ser eleito presidente da República, Bolsonaro jamais deu sinais de que sabia separar bem as questões de interesse público de seus interesses particulares, como se suas vitórias eleitorais tivessem o condão de transformar assuntos de Estado, de governo e de sua família em uma coisa só. Alçado à Presidência, o mau uso por Bolsonaro do Cartão de Pagamentos do Governo Federal (CPGF), conhecido popularmente como “cartão corporativo”, é corolário dessa mixórdia.
Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Estadão analisou detidamente, em parceria com a agência Fiquem Sabendo, milhares de notas fiscais apresentadas pelo governo federal a título de prestação de contas pelo uso do cartão corporativo, tanto por Bolsonaro como por alguns de seus auxiliares. Foi uma faina, pois o papelório é armazenado fisicamente em pastas contidas em dezenas de caixas trancadas em um almoxarifado.
O resultado da análise desses papéis é de estarrecer qualquer cidadão que tenha a mínima noção dos fundamentos sobre os quais se erigiu esta República.
Bolsonaro gastou milhões de reais por meio do cartão corporativo em eventos de pura autopromoção, como as tais motociatas que o então presidente promoveu País afora. Em nenhum desses passeios, realizados às expensas dos contribuintes, havia interesse público envolvido. Apenas o interesse político-eleitoral do então incumbente, em campanha permanente e ilegal pela reeleição.
Em média, cada passeio de moto do sr. Bolsonaro com seus amigos e apoiadores – e foram muitos ao longo do mandato, inclusive em dias e horários em que o então presidente deveria estar trabalhando – custava R$ 100 mil aos cofres públicos. Nesse montante estão incluídas as despesas com deslocamento, alimentação e hospedagem de um séquito de servidores mobilizados exclusivamente para atender aos interesses privados do ex-presidente, pois nenhuma promoção de política pública esteve remotamente envolvida nessas motociatas.
Nesses eventos privados, era comum o dispêndio de milhares de reais em lanches não só para os servidores do governo federal que acompanham o presidente da República durante viagens, como também para policiais que cuidavam da segurança das motociatas, militares baseados nas cidades onde ocorriam os passeios e socorristas.
O cartão corporativo não foi criado para isso. O uso do CPGF é regulamentado pelo Decreto 6.370/2008. Esse meio de pagamento se presta ao suprimento de fundos para a realização de “despesas eventuais que exijam pronto pagamento”. Em geral de pequena monta, essas despesas, até por seu imediatismo, não passam por licitação. O cartão corporativo também pode ser usado para o pagamento de despesas que precisam ser sigilosas, como, por exemplo, as realizadas por agentes públicos durante processos de investigação. Mas, conforme a Controladoriageral da União, “embora não exista a obrigatoriedade de licitação, devem ser observados os mesmos princípios que regem a Administração Pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. As motociatas de Bolsonaro desrespeitam todos esses critérios.
Ilegal e indecente por si só, o uso do cartão corporativo para custear as motociatas pode ser o menor dos problemas de Bolsonaro. O Decreto 6.370/2008 veda o uso do CPGF na modalidade saque, salvo casos excepcionalíssimos. Mas paira sobre o exajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, a suspeita de realizar uma série de saques em dinheiro que, entre outros gastos, teriam bancado despesas pessoais do clã Bolsonaro e de familiares da então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Portanto, além da flagrante violação da Lei Eleitoral, há indícios robustos de ato doloso de improbidade administrativa. Bolsonaro terá de ser criativo para se explicar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário