segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O ESTADO CONTRA A POBREZA

Edu Lyra, O Globo

Poder público precisa se abrir às experiências de ONGs e demais entidades que vêm revolucionando o combate aos problemas sociais

Uma andorinha só não faz verão, diz a sabedoria popular. O mesmo vale para a área social: iniciativas pontuais de combate à pobreza melhoram a vida de um grupo de pessoas, mas não têm a escala necessária para enfrentar nossos problemas estruturais.

O que fazer para que um programa desenvolvido no terceiro setor fique mais abrangente e impacte um número maior de comunidades?

A Gerando Falcões desenvolve há cerca de dois anos o Favela 3D — Digna, Digital, Desenvolvida. O cerne do programa é encarar a pobreza da favela como um fenômeno complexo, multidimensional, que, portanto, requer soluções simultâneas para vários problemas, do desemprego ao saneamento básico, da capacitação profissional à regularização dos imóveis. Trata-se de criar, em parceria com a própria favela, uma trilha para a dignidade, um modelo de ação que não se limite a amenizar a pobreza, mas que almeje derrotá-la.

Nosso projeto piloto foi implantado na favela Marte, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, e é lá que o programa está mais avançado. A Marte vem passando por uma completa reurbanização. Suas mais de 200 famílias foram deslocadas para casas alugadas, e a favela inteira foi demolida. Em seu lugar, um bairro novo está sendo erguido, com toda a infraestrutura de água, esgoto, luz e internet, com escola, posto de saúde e até museu.

Cientes de que apenas a reurbanização não é suficiente para emancipar uma família da pobreza, montamos núcleos de capacitação profissional e, principalmente, firmamos um compromisso com os empresários da região para garantir emprego à população da favela. Em pouco mais de um ano, o índice de desemprego ou informalidade da Marte despencou de 70% para quase zero.

Qual é a próxima etapa de um programa tão promissor? Aqui é necessário reafirmar a importância do Estado como promotor de melhorias sociais.

Além da Marte, o Favela 3D está presente hoje em mais três comunidades, mas ele não pretende criar “joias raras”, alguns poucos territórios atendidos por dezenas de serviços sociais, ilhados num oceano de pobreza e desigualdade. O Favela 3D foi pensado sobretudo como um laboratório, em que testamos e desenvolvemos tecnologias sociais inovadoras.

Nosso maior tesouro são as evidências concretas, objetivas, quantificáveis, a respeito da eficácia de cada ação implementada. São essas evidências que precisam chegar à mesa dos prefeitos, governadores, ministros e demais autoridades, para que casos de sucesso se transformem em políticas públicas abrangentes e sistemáticas.

Ao longo deste mês, a Gerando Falcões se reunirá com os governos de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e com o governo federal para apresentar seus dados e tentar construir, juntos, estratégias alternativas de combate à pobreza. A questão em jogo é simples: como transformar boas iniciativas sociais em programas de abrangência nacional?

A erradicação da pobreza no Brasil depende da resposta que daremos. O terceiro setor não pode jamais se ver como concorrente do poder público. Este, por sua vez, precisa se abrir às experiências de ONGs e demais entidades que vêm revolucionando o combate à pobreza no Brasil. É dessa parceria que saem as melhores ideias.

Cabe ao Estado brasileiro reunir e articular os cantos dessas muitas andorinhas do terceiro setor para que possamos, enfim, colocar um ponto final na pobreza extrema.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário