Principalmente nas grandes cidades brasileiras, em encostas passíveis de desmoronamentos nas periferias, acontecem verdadeiras tragédias anunciadas como decorrência direta de construções e edificações em áreas de risco, muitas delas resultado das invasões irregulares ou quando não incentivadas e até estimuladas pelos próprios gestores públicos, a quem caberia e cabe o dever de impedi-las, bem como em áreas ribeirinhas naturalmente sujeitas a alagamentos.
Atual e paradoxalmente já existem estudos de identificação e mapeamento de tais áreas em mais de 50% dos municípios brasileiros. Tais áreas podem ser facilmente localizadas e dimensionadas no tempo e espaço pelos estudos do IBGE e demais instituições. Apesar disso, a verdade é que não se consegue conter a permanente expansão de tais áreas, bem como novas edificações sobre elas.
Evidente que tal situação vem desde o tempo do Império, o que, todavia, não impede, pelo contrário se exige, tipificar além de crime comum, aplicar-se a pena de restrições de direitos para suprir a vacatio legis, como crime causador de INELEGIBILIDADE.
Considere-se que prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, eleitos diretamente pela população, prestam solene juramento de cumprir a Lei Orgânica dos seus Municípios, e, como tal comandarem e exigirem de seus auxiliares e quadro de gestores e funcionários públicos municipais (artigos 29, 30, VIII e 31, da Constituição Federal, combinados e alinhados com artigos 4º, 6º, 13 parágrafo 2º, letra a, art.29, 32 II, 43, 5º, 47,1º , 92.1º, 132, 256, 320 e 337, todos do Código Penal Brasileiro) que também passem tais delitos serem tipificados como causas de inelegibilidade.
Neste sentido que o IDL (Instituto Democracia e Liberdade), de Curitiba, do qual sou associado, estudou e está preparando, juntamente com outras entidades da sociedade civil, uma PROPOSTA DE INICIATIVA POPULAR (art.14, III da CF) para que o Congresso Nacional institua a pena restritiva de direitos que é a inelegibilidade. Somente assim se obrigará as autoridades municipais a adotarem uma nova conduta de responsabilidade política para moldarem os quadros urbanos em consonância e harmonia da topografia natural do ecossistema regional.
O que não faltam são os alertas para este grave problema brasileiro, que nosso sistema de governo vai levando há séculos.
Cientista brasileiro referência mundial em mudanças climáticas, o meteorologista e climatologista Carlos Nobre alerta que os desastres ambientais no Brasil, como o ocorrido nos últimos dias no litoral de São Paulo, tendem a ser cada vez mais frequentes e mais graves. Com formação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e coautor da pesquisa vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2007, Carlos Nobre explica que o aumento da temperatura global está diretamente atrelado às catástrofes no litoral brasileiro. Os estudos preliminares do IDL, ainda em discussão com várias entidades, será encaminhado pelo clamor da iniciativa popular, pela seguinte proposta:
“Proposta de Iniciativa popular pelo art.14, III da CF, para alterar o número 3, da letra e do artigo 1º da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, Lei das Inelegibilidades, acrescentando na atual redação o seguinte:
“Artigo 1º …
“Número 3 – contra o meio ambiente e a saúde pública – por qualquer ação ou omissão que desrespeite as prescrições do Plano Diretor do Munícipio, permitindo invasão, construções ou edificações irregulares em áreas de risco ou impróprias para habitação.”
O governo federal publicou no Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira, 4 de maio, o Decreto 10.692/2021, que institui o Cadastro Nacional de Municípios com Áreas Suscetíveis à Ocorrência de Deslizamentos de Grande Impacto, Inundações Bruscas ou Processos Geológicos ou Hidrológicos Correlatos.
“O Decreto torna oficial a criação do Cadastro Nacional de Municípios que são afetados por desastres recorrentes causados por excesso de chuvas, onde há áreas de risco, com alto grau de vulnerabilidade, propensão a inundações e deslizamentos de terra, transbordamentos de lagos, rios, barragens e açudes. O que, em geral, acaba causando danos humanos, materiais e ambientais, além de graves prejuízos econômicos e sociais nas regiões atingidas. O objetivo do Decreto é que a União e os Estados, no âmbito de suas competências, apoiem os Municípios nas ações de mapeamento de áreas de risco, elaboração de planos de implementação e implantação de obras e serviços para a redução de riscos de desastres, criação e manutenção dos órgãos municipais de defesa civil, entre outras ações de prevenção, monitoramento e preparação e resposta a desastres”. (Fonte: CNM)
Atualmente, com um simples drone, a Prefeitura Municipal consegue detectar tais áreas, como a maioria delas procede para constatar o aumento das áreas urbanas construídas, desde um simples puxadinho, garagem ou varanda, e, com isso, lançar o aumento do IPTU. Sistema de governo é notável para arrecadar, mas péssimo para planejar, economizar e distribuir.
Municípios com maior número de moradores em áreas de risco a desastres naturais no Brasil – 2010
Municípios População em Área de Risco População Total Porcentagem
Salvador (BA) 1 217 527 2 675 656 45,5%
São Paulo (SP) 674 329 11 253 503 6,0%
Rio de Janeiro (RJ) 444 893 6 320 446 7,0%
Belo Horizonte (MG) 389 218 2 375 151 16,4%
Recife (PE) 206 761 1 537 704 13,4%
Jaboatão dos Guararapes (PE) 188 026 644 620 29,2%
Ribeirão das Neves (MG) 179 314 296 317 60,5%
Serra (ES) 132 433 409 267 32,4%
Juiz de Fora (MG) 128 946 516 247 25,0%
São Bernardo do Campo (SP) 127 648 765 463 16,7%
Natal (RN) 104 433 803 739 13,0%
Fortaleza (CE) 102 836 2 452 185 4,2%
Santo André (SP) 96 062 676 407 14,2%
Guarulhos (SP) 94 720 1 221 979 7,8%
Vitória (ES) 87 084 327 801 26,6%
São João de Meriti (RJ) 86 185 458 673 18,8%
Blumenau (SC) 78 371 309 011 25,4%
Petrópolis (RJ) 72 070 295 917 24,4%
Maceió (AL) 70 343 932 748 7,5%
Igarassu (PE) 69 801 102 021 68,4%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010; CEMADEN
Crianças e idosos eram 17,8% da população em área de risco
Geralmente são nestas áreas que o estado tem que competir com o crime organizado, com milícias que se apropriam do tráfico de drogas e armas para criar a insegurança pública. Basta citar alguns fatos públicos e notórios de que o crime organizado tomou conta destas áreas.
“Isso não é uma política de segurança pública. Isso são ações violentas que não levam a lugar nenhum. Temos visto uma média de quatro mortes provocadas pela polícia por dia, e mais de 60 policiais já morreram no Rio só neste ano. Isso seria um escândalo em qualquer parte do mundo. Aqui, faz parte da paisagem”.
A Justiça recebeu, no dia 31/01/2023, uma denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), de 25 de janeiro deste ano, e assinada pelos promotores de Justiça Jairo Pequeno Neto e Klecyus Weyne de Oliveira Costa, contra sete pessoas investigadas por participação num esquema ilícito de compra de votos, cada um no valor de R$ 130 mil, para a eleição da Presidência da Câmara Municipal de Canindé, em 2021.
“Antes mesmo da pandemia, em 2019, o Ceará passou a ocupar o posto de estado com o maior número proporcional de mortes violentas no Brasil. Também fica no Ceará o município mais violento do país: Caucaia, na periferia de Fortaleza. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) atribui a maior parte da responsabilidade por essa situação ao governo estadual, que, segundo ele, não enfrentou o crime organizado nem investiu em equipamentos e treinamento para as forças de segurança. “O cearense está rendido pelas facções criminosas, lamenta Girão”. Estarrecidos, vemos pela TV o que está acontecendo no Rio Grande do Norte, que até a Guarda Nacional teve que ser deslocada neste mês.
Terminando meu mandato de deputado federal em 1990, ativamente participei das discussões desta Lei das Inelegibilidades, e, com outros colegas, tentamos incluir esta tipificação. Mas, lamentavelmente, como sói acontecer no Brasil, a maioria alienada e despreparada que chega as centenas no parlamento, só depois do desastre acordam para a realidade. Quem sabe agora, com estas centenas de mortes (além dos milhares que já tivemos) e com o custo de milhões para recuperar os danos e socorrer as vítimas, consiga-se despertar a racionalidade nos legisladores. Chega de papo furado e demagógico de governantes que se veem obrigados, nestas calamidades, a sobrevoar ou visitar estas populações vítimas da sua própria incúria e irresponsabilidade.
A pena de inelegibilidade nestas situações tem 2 principais objetivos. Primeiro, livrar a sociedade de maus gestores, evitando que se proliferem exemplos de maus administradores municipais, que, reiteradamente e mesmo penalizados, com prisão e multa, ainda voltam à cena do crime para novamente comandar e atuar nas administrações municipais. Segundo, melhorar o nível de gestores futuros, desde a base política que é o município.
Também não se argumente que os resultados serão alcançados a longo prazo, porquanto não é mais possível tolerar a inércia do legislador e a irresponsabilidade dos gestores, que não cumprem com o artigo 208, VII, parágrafos 1º e 2º da CF, para oferecer ensino publico gratuito.
Antes tarde do que nunca.
Com uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA, que já pregávamos antes de 1986, não tenho dúvidas que esta questão será erigida como cláusula pétrea como responsabilidade em todos os níveis dos gestores da administração pública.
* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988. É defensor de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva
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