quinta-feira, 31 de agosto de 2023

JANELA EXTERNA SEGUE ABERTA AO BRASIL

Christopher Garman*, Valor Econômico

Ao reformar sua estrutura tributária agora, o Brasil pode atrair mais investimentos do que se o fizesse em outro momento

O Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma oportunidade, diz a frase atribuída ao falecido economista e diplomata Roberto Campos. Mesmo que esse diagnóstico tenha se disseminado no início deste terceiro mandato de Lula, há indícios de que o Brasil talvez não desperdice por inteiro a janela de oportunidade que o país encontra no cenário externo atual.

A visão mais pessimista é compreensível. Lula assumiu diante de extrema boa vontade dos investidores estrangeiros. Mas o presidente deu sinais de que poderia desperdiçar este bom humor, aumentando gastos no início do mandato e criticando ferozmente a política monetária do Banco Central.

Embora a equipe econômica tenha revertido boa parte desse mal-estar com a aprovação do arcabouço fiscal e o avanço da reforma tributária - ajudados pela melhora nos dados de inflação e crescimento - o setor privado ainda se mostra muito cético. Externamente, a China está desacelerando, enquanto os EUA podem manter os juros elevados por mais tempo. Internamente, há descrença sobre a capacidade do governo em zerar o déficit primário em 2024, e aumentar as receitas em mais de R$ 100 bilhões diante de um Congresso arredio a novos tributos será desafiador.

Ainda que pertinentes, essas preocupações sobre a conjuntura talvez subestimem o quanto alguns fatores estruturais podem ajudar o Brasil - e, ao mesmo tempo, como parte da agenda do atual governo (em especial a reforma do IVA e o plano ambiental) pode ajudar o país a aproveitá-la.

É importante reconhecer que o mundo passa por uma intensa transformação geopolítica. A vitória de Joe Biden deixou claro que o embate entre os EUA e a China tem raízes muito mais profundas que a política tarifária imposta por Donald Trump. Os países se entendem como ameaças mútuas, e buscam reduzir a interdependência entre suas economias. A crise na Ucrânia exacerbou esse tensionamento.

Esses choques estão gerando uma lenta, mas muito relevante, realocação de capitais. Multinacionais norte-americanas e europeias estão reavaliando suas cadeias globais de suprimentos para reduzir a dependência da China. Investimentos diretos externos naquele país, por exemplo, caíram 5,6% entre janeiro e maio deste ano ante 2022, apesar do fim das restrições da covid-19. Parte disso é resultado de uma economia que não está se recuperando -, mas pesou também a busca das empresas por reduzir sua exposição à China e investir em países mais amigáveis ou próximos (levando aos termos “friend-shoring” ou “near-shoring”). O fluxo de investimentos financeiros mostra dados semelhantes.

Subestima-se o ganho potencial de simplificar o sistema tributário no momento da realocação de capitais globais

Paralelamente, as empresas chinesas têm buscado reforçar laços com países do chamado Sul Global e reduzir sua dependência dos EUA e da Europa. Não por acaso a China jogou tão pesado para expandir o grupo dos Brics.

Logo, será cada vez mais importante examinar como os países serão impactados por esse movimento - e para onde serão realocados esses investimentos. Há vencedores óbvios, incluindo o México, pelo acesso aos EUA por meio do USMCA. Embora fora do topo da lista, o Brasil também pode ganhar em termos relativos. A preocupação alimentar e energética impulsionada pela crise na Ucrânia e pelo tensionamento da China coloca o país - grande produtor nessas áreas - em posição vantajosa. Não por acaso, o interesse europeu pela ratificação do acordo com o Mercosul cresceu.

Duas investidas chamam a atenção na agenda atual do governo, que podem elevar a competitividade do país por esses investimentos: a reforma tributária (PEC 45) e a agenda ambiental, na qual o governo Lula vai focar cada vez mais.

A primeira, que unifica impostos e cria um IVA dual nacional, tem sido objeto de intenso debate. De um lado, economistas apontam ganhos de produtividade associados à simplificação de uma legislação arcaica e cheia de ineficiências. De outro, empresários reclamam que a longa transição poderá aumentar a complexidade tributária, assim como a carga do setor de serviços. Logo, os ganhos estarão concentrados no médio e longo prazos, com custos no curto.

Mas esse debate subestima o ganho potencial de simplificar o sistema tributário exatamente no momento de uma realocação de capitais globais. Não é incomum que os conselhos de empresas multinacionais discutam intensamente como reduzir riscos diante desses novos choques políticos. Isso sugere que, ao reformar sua estrutura tributária agora, o Brasil pode atrair mais investimentos do que se o fizesse em outro momento. A sinalização futura pesa em momentos como este.

O mesmo pode ser dito sobre a pauta ambiental, que deve ganhar corpo em breve. O governo está prestes a anunciar um amplo plano de transição ecológica, cujo carro-chefe será a regulamentação do mercado de carbono. A pauta será prioridade da política externa nacional nos próximos dois anos. O governo não só planeja colocá-la como prioridade quando o país sediar a reunião do G-20 (2024), mas também vislumbra um coroamento dessa agenda ao sediar a COP30 em Belém (2025).

Já em vantagem competitiva por ter 56% de sua matriz energética de fontes renováveis (em um mundo onde o setor privado será cada vez mais pressionado a reduzir suas emissões), o Brasil ganhará também com essa agenda ambiental, ao se tornar mais atrativo a investimentos nessa realocação de capitais globais.

Evidentemente, há riscos adiante. A trajetória de expansão de gastos do governo gera um dilema importante para a política econômica, e a necessidade de buscar receitas para financiar essas despesas pode minar a confiança do setor privado. E há sempre o risco de Lula reagir mal a possíveis dificuldades econômicas e políticas. Mas essas oportunidades vindas de fora podem ser um atenuante importante.

*Christopher Garman é diretor executivo para as Américas do Eurasia Group.

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