Negociador-chefe do ambiente, embaixador André Corrêa do Lago, avalia que este ano o país deve fazer um grande debate nacional sobre os desafios que enfrentará na questão climática
O embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe de clima e meio ambiente do Brasil, acha que 2024 é fundamental para o debate interno brasileiro na área ambiental. Ele alerta que para a agricultura brasileira o “ponto de não retorno” da Amazônia será uma tragédia. Por outro lado, diz que a delegação brasileira que vai às COPs é sobretudo da sociedade civil, do setor privado, dos estados e municípios. “A mudança do clima no Brasil está realmente integrada no debate nacional e isso faz do Brasil um país contemporâneo.”
Eu o entrevistei ontem na GloboNews para falar das três COPs, a que acabou em Dubai, a deste ano no Azerbaijão, e a que ocorrerá em Belém, em 2025. Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, ele está de volta ao posto de negociador que exerceu por muito tempo e explica a maneira como o Brasil foi recebido no retorno às negociações do clima.
—O Brasil que voltou é o Brasil natural. É mais próximo do que se possa definir o país interna e externamente. Há um desejo muito grande de ver esse papel do Brasil como uma democracia, um país que tem uma sociedade civil forte, que tem um empresariado dinâmico, tem academia, ciência, governo e instituições capazes. Entre os países em desenvolvimento, o Brasil já cumpriu com muitíssimos desafios de fortalecer a sua sociedade. Esse é o Brasil que está sendo muito bem-vindo nas negociações internacionais.
Mas, por tudo isso, diz o embaixador, é um país que tem divergências internas, como todos os países democráticos.
— O debate de 2024 vai ser muito importante para o Brasil. Como vamos lidar com a questão do petróleo? Como vamos lidar com a questão de encontrar empregos na Amazônia que sejam sustentáveis? Como vamos lidar com os transportes? Eu acho que uma das maiores contribuições do Brasil vai ser o mundo poder assistir esse debate que haverá aqui dentro.
Uma das questões é a agricultura, que o embaixador elogia, mas que tem abraçado pautas retrógradas no Congresso. Ele diz que a nossa agricultura tem todas as condições de incorporar a questão do clima, até porque é diretamente afetada pela mudança no regime de chuvas.
— A ciência brasileira teve um papel fundamental em divulgar a noção do tipping point, o ponto de não retorno. Se o atingirmos será um desastre absoluto para a agricultura brasileira e eu acho que parte do setor está cada vez mais consciente disso. A ciência mostra o quanto a agricultura está ameaçada. Se pararmos o desmatamento, a gente pode impedir que o ponto de não retorno ocorra no curto prazo. Mas, mesmo se pararmos o desmatamento, se o aquecimento global for acima de 1,5º, a Amazônia pode ser afetada. Então a negociação para que se limite a temperatura é crucial. A agricultura está no centro. Ela pode ser uma vítima.
O embaixador admite que os países que querem ameaçar a posição do Brasil no mercado agrícola estão observando as pautas discutidas sobre o tema no Congresso.
— Como nós somos uma democracia, temos todas as condições de chegar a uma posição coerente. Por isso, temos que discutir aqui dentro. Volto a dizer que 2024 vai ser um ano muito importante para debatermos internamente, soberanamente, a nossa questão da energia, a questão das florestas, a questão da agricultura.
Corrêa do Lago dá o exemplo da mineração que, na avaliação dele, está conseguindo fazer a separação entre as más e as boas práticas, ao diferenciar o garimpo da mineração industrial.
Na visão do negociador brasileiro, a COP 28 foi fundamental porque a “ciência voltou ao centro da discussão” quando estabeleceu que o aquecimento global não pode passar de 1,5º porque esse é o ponto que a ciência afirma, com base em evidências, que não pode ser ultrapassado. No Azerbaijão, na COP 29, o tema será financiamento, os meios para se evitar um aquecimento acima desse limite.
Em Belém, na COP 30, o tema será o aumento das NDCs, as metas nacionais. Elas terão que ser revistas para se atingir esse objetivo de limitar o aquecimento global. Para o embaixador, o que a Convenção do Clima está pedindo aos países é que eles mudem a economia. E isso terá que passar pela discussão do petróleo. Portanto, o Brasil que se reciclou e voltou à mesa de negociação, sendo tão bem recebido, deve este ano fazer o grande debate das suas contradições e conflitos em todas as áreas que impactam a mudança do clima.
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