Recuo do presidente e parceria com o governo paulista no túnel entre Santos e Guarujá devem ser celebrados
Representa um avanço institucional o recuo do governo Luiz Inácio Lula da Silva na ideia de construir sozinho o túnel que ligará as cidades de Santos e Guarujá, no litoral paulista. A obra, que integra o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e é orçada em R$ 6 bilhões, era também reivindicada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro no governo Jair Bolsonaro e um dos principais antagonistas do PT na cena nacional. A conversa entre dois adversários políticos para pôr em marcha um projeto em benefício da população é fato tão raro nestes tempos de polarização ideológica que precisa ser celebrada.
Na terça-feira, uma reunião entre Lula, Tarcísio e colaboradores em Brasília transcorreu de forma profissional e cordial, misturando assuntos técnicos, política e futebol. No final, ficou acertado que o túnel de 860 metros de extensão será construído em conjunto pela União, pelo estado de São Paulo e por uma parceria público-privada (PPP). Cada governo destinará R$ 2,7 bilhões à obra, e o restante será bancado com a receita de pedágio auferida pela empresa que vencer a concessão da PPP.
O projeto de construção do túnel havia erguido uma barreira entre Lula e Tarcísio. Como mostrou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, Tarcísio considerava inaceitável que o estado ficasse fora da obra, quando o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, é filiado ao Republicanos. O governador ameaçou até deixar a legenda caso o impasse não fosse resolvido. O próprio Costa Filho trabalhou para costurar o acordo com Lula.
A construção de um túnel entre Santos e Guarujá é cogitada há pelo menos 96 anos. A ligação atual, por meio de balsa, leva cerca de 20 minutos. Ou então é preciso dar uma volta por uma estrada de 43 quilômetros, num trajeto que pode levar uma hora. Estima-se que a travessia pelo túnel levará menos de dois minutos. A obra beneficiará cerca de 80 mil pessoas por dia.
Não seria razoável que esse projeto essencial para melhorar o transporte em região tão relevante para o Brasil ficasse ao sabor de disputas políticas ou ideológicas. O que deve nortear as decisões é o interesse da população. A cooperação entre os governos federal e estadual será melhor para todos, uma vez que os custos poderão ser divididos, aliviando o caixa dos dois lados. A parceria permitirá ainda maior agilidade, pois facilitará a integração entre os diversos órgãos envolvidos no projeto.
Não é a primeira vez que Lula e Tarcísio deixam de lado divergências políticas em prol de interesses maiores. No ano passado, presidente e governador atuaram juntos na resposta à catástrofe das chuvas no Litoral Norte de São Paulo. A aproximação, mais que necessária para facilitar o socorro às vítimas, foi celebrada por políticos de ambos os lados, apesar da reação de estranhamento da militância nas redes sociais.
Nada deve haver de extraordinário no fato de políticos de colorações ideológicas ou partidárias diversas se unirem para defender os interesses da sociedade em questões cruciais. Sempre deveria ser assim, mas infelizmente tem sido fato raro no país. Num clima de polarização, a preocupação com o efeito na militância costuma vir em primeiro lugar, e a população que se vire. O acordo Lula-Tarcísio deveria inspirar outras parcerias entre adversários políticos. Seria um alento.
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