Saldo comercial é recorde, mas há espaço para crescer
Para atingir uma posição relevante nos principais mercados globais, Brasil precisa reforçar competitividade em outras áreas além das commodities
O saldo recorde de US$ 98,8 bilhões da balança comercial no ano passado deixou os brasileiros animados. É 60% maior do que o de US$ 62,3 bilhões de 2022, também um valor recorde. Além de expressivo, o resultado garantiu a sensível redução do déficit em conta corrente, que caiu de US$ 48,3 bilhões, ou 2,47% do PIB em 2022, para US$ 28,6 bilhões, ou 1,32% do PIB, no ano passado. Outro ponto positivo é que a marca foi atingida apesar da queda de 6,3% dos preços médios das exportações brasileiras, que haviam subido em 2021 e 2022. O aumento de 8,7% das quantidades embarcadas compensou os preços menores, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).
Os números contribuem para amainar as pressões sobre o câmbio e, em consequência, sobre a inflação, reduzem a percepção de risco do país e atraem o investidor estrangeiro. Ao Valor (15/2), o sócio-fundado da SPX Capital, Rogério Xavier, disse que o setor externo é a “menor das preocupações” no cenário brasileiro. Há reparos a fazer, porém, quando se examina a balança comercial em detalhes. O resultado poderia ser melhor em qualidade e quantidade. O saldo foi garantido pela queda de 11,7% das importações para US$ 240,83 bilhões, e não pelo aumento das exportações, que foi de apenas 1,7%, para US$ 339,67 bilhões.
Além disso, as vendas externas brasileiras são muito concentradas na China. Nada menos que 30,7% das exportações são abocanhadas pelo país asiático. Em 2023, ultrapassaram pela primeira vez a casa da centena de bilhões, atingindo US$ 104,3 bilhões, 16,6% a mais do que em 2022. Se, por um lado, é bom ter como parceira comercial a segunda maior economia global, por outro, causa uma forte dependência que determina a predominância das commodities na pauta das exportações brasileiras. Soja, minério de ferro e petróleo dominam: a demanda chinesa coincide com a competitividade brasileira nesses produtos. Os chineses compraram 73% de toda soja exportada pelo Brasil em 2023, 64% do minério de ferro e de 47% do petróleo bruto, segundo a Secex. Os três produtos representaram 75% do valor da exportação brasileira total à China no ano passado.
Os EUA são o terceiro maior mercado externo brasileiro, com 10,9%, após a União Europeia, com 13,6%, e uma pauta de exportação mais diversificada, com predominância de mercadorias mais elaboradas, como óleo bruto de petróleo, produtos semiacabados de ferro e aço e aeronaves e suas partes, responsáveis por 31,4% do valor vendido pelo Brasil aos EUA no ano passado, segundo a Secex. A Argentina vem em seguida, com 4,9% das exportações brasileiras. Geralmente o país vizinho importa bens industrializados brasileiros, como veículos e autopeças. Mas, no ano passado, a soja dominou porque a quebra de safra obrigou os exportadores argentinos a comprarem o grão brasileiro para honrar contratos externos. Em quinto lugar está o México, com 2,5% das vendas externas, em que dominam automóveis e veículos para transporte de mercadorias, que dividiram os embarques do ano passado também com a soja.
Mas há espaço a conquistar. O Brasil tem posição modesta entre os fornecedores dos dez principais importadores globais, com exceção da China. No mercado chinês, subiu do nono ao sétimo lugar no ano passado, representando 4,9% das importações de Pequim e mais da metade do saldo comercial brasileiro, com US$ 51,2 bilhões. Nos demais está abaixo da 14ª posição. No mercado americano, o Brasil caiu para o 18º lugar entre os fornecedores e teve déficit de US$ 1 bilhão. Com a estratégia de depender menos das importações chinesas, os EUA alçaram o México ao lugar de primeiro maior fornecedor, posto antes ocupado pela China. Os mexicanos se beneficiam da proximidade geográfica e do acordo comercial USMCA, mas o Brasil também tem espaço para crescer mais na pauta de importações dos EUA. É uma oportunidade de ampliar negócios e diversificar destinos de exportação.
Para atingir uma posição relevante nos principais mercados globais, o Brasil precisa também reforçar a competitividade em outras áreas, além do minério de ferro, petróleo, grãos e carnes, que responderam por 37,2% das exportações brasileiras em 2023, segundo dados da Secex. A fatia sobe para 45,9% se a lista for ampliada e incluir açúcar e milho, outras commodities.
O Brasil tem dificuldades para crescer nos demais mercados importantes por não ser competitivo nos bens que eles demandam. O ponto fraco é a oferta de produtos industriais, como componentes das cadeias globais de produção, área em que, em geral, o país está longe de ser competidor, com exceção de algumas bolhas, como aeronaves regionais. Em mercados em que a indústria é mais dinâmica e demanda componentes de terceiros, a participação do Brasil está em queda ou estagnada. Na Coreia do Sul, por exemplo, mantém 1,1% nos dois últimos anos, e, na Alemanha, 0,6%. Alguns especialistas, como Lia Valls Pereira, do FGV/Ibre, veem com opção buscar uma diversificação nas próprias cadeias de commodities. Trata-se de um caminho para tentar obter maior valor agregado em áreas nas quais o Brasil já é competitivo.
Nem tudo é tecnologia. O avanço da reforma tributária tende a ajudar, ao contribuir para a melhora da produtividade da economia e a competitividade da indústria. Além disso, esforços diplomáticos podem auxiliar na abertura de nmercados. Há espaço para a expansão em setores que dependem mais de criatividade e inovação, como moda, calçados e cosméticos. Não se pode, porém, abrir mão de aproveitar as vantagens competitivas.
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