quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

TEM SANGUE DO GOVERNO NO MAR DO CONGRESSO

Fernando Exman, Valor Econômico

Disputa pelo controle do Orçamento está aberta

Dotados de uma extraordinária capacidade sensorial, os tubarões conseguem perceber uma gota de sangue em 1,5 milhão de gotas de água a uma distância de 30 metros. É preciso pouco para atiçá-los. Para alguns tubarões do Congresso, há sinais de sangue do governo na água. A disputa pelo controle do Orçamento está aberta. É hora de atacar.

Algumas gotículas se espalharam em dezembro, quando pesquisas de avaliação apontaram um cenário considerado relativamente preocupante por aliados. Segundo o instituto Datafolha, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechou 2023 com 38% de aprovação dos brasileiros, enquanto 30% consideram seu trabalho regular. Outros 30% responderam ruim ou péssimo.

Na ocasião, perguntou-se também as maiores preocupações dos brasileiros. A saúde voltou a ser líder isolada da lista, sendo o principal problema do país para 23% dos eleitores. Em setembro, 17% dos entrevistados diziam estar mais preocupados com o setor. Na sequência, foram citadas segurança pública e educação.

O ano não começou bem para o governo nessas áreas. O país enfrenta uma epidemia de dengue. Nessa terça-feira (6), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, precisou usar a rede nacional de rádio e TV para falar à população das medidas de combate ao mosquito que transmite a doença.

O governo sustenta que o Brasil é o primeiro país do mundo a oferecer de forma gratuita um imunizante contra dengue na rede pública, e está negociando a ampliação da oferta. A expectativa é que a distribuição da vacina em locais de maior risco avance no curto prazo, mas ainda é cedo para saber qual será a reação da opinião pública.

Outro ferimento ocorreu na área da Educação. A pasta admitiu a divulgação indevida de resultados provisórias do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) no dia 30 de janeiro, quando os dados ficaram disponíveis por quase meia hora. “Frustração” foi a palavra que diversos estudantes usaram para expressar o que sentiram quando seus nomes “saíram” da lista final de aprovados para vagas nas universidades e instituições públicas de ensino superior.

A segurança pública é outro ponto fraco. Neste início de ano, o governo também se preocupou em explicar à população como tem agido para melhorar os indicadores de combate ao crime organizado. Antes de deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino apresentou um detalhado balanço. Seu sucessor, Ricardo Lewandowski, prometeu ampliar os esforços. Mas o que prevalece é a sensação de insegurança nas principais cidades do país.

Em outra frente, bastante explorada pela oposição, o Executivo precisou explicar os motivos de a crise nos territórios Yanomamis persistir durante todo 2023 e já avançar sobre o calendário de 2024.

Autoridades do Palácio do Planalto rebatem. Sustentam que a popularidade do presidente Lula irá crescer, à medida que algumas entregas forem sendo realizadas.

Um exemplo é a implementação do programa Mais Médicos, que prevê a presença de 28,25 mil profissionais para a Atenção Primária à Saúde em 4,59 mil municípios. Existe, também, a previsão de R$ 1,2 bilhão para a realização de cirurgias eletivas e redução de filas para esses procedimentos - o dobro do disponibilizado ano passado.

O Planalto espera um efeito positivo a partir da ampliação de matrículas no ensino em tempo integral. Já estão pactuadas 1 milhão de novas vagas, e o objetivo é alcançar 3,2 milhões até 2026. A estimativa do governo é liberar cerca de R$ 4,2 bilhões para essa finalidade no primeiro biênio do mandato.

Essas autoridades acrescentam: tampouco se sentiu o impacto do anúncio da retomada da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida, que contempla famílias com renda bruta de até dois salários mínimos.

Uma ala do governo, contudo, tem outro diagnóstico. Reconhece-se que o governo ainda não conseguiu emplacar novas marcas no imaginário do eleitorado.

Em segundo lugar, há uma preocupação com a dificuldade em construir pontes com a população evangélica. Nesse contexto, deve-se registrar a presença do vice-presidente da Câmara e presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), em recentes eventos promovidos por Lula em São Paulo.

Em terceiro lugar, um integrante do primeiro escalão menciona o risco de antecipação da disputa eleitoral de 2026 e, consequentemente, arestas criadas na articulação com o Congresso. Sangue na água.

A economia, contudo, é a boia de salvação à disposição. Figuras importantes do mercado começam a falar com mais desenvoltura sobre a expectativa de surpresa positiva no Produto Interno Bruto (PIB). Isso ocorrendo, haveria um aumento da arrecadação, a qual contribuiria para o plano da equipe econômica de perseguir a meta de déficit zero. Com a desaceleração da inflação e a redução da taxa de juros já presentes no radar, espera-se para os próximos meses uma alta do consumo e um aumento da sensação de bem-estar social.

Se o próprio governo não errar, por exemplo retomando o debate da revisão da meta fiscal, existe uma boa oportunidade para que mais entregas sejam feitas. O risco de sangria na popularidade de Lula seria estancado.

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