domingo, 28 de julho de 2024

A FESTA DE PARIS SERÁ DE TODOS

Elio Gaspari, O Globo

Na sexta-feira as delegações de 204 países desceram pelo Rio Sena. Melhor que isso, só se em 1840 os restos mortais de Napoleão tivessem chegado de barco. Ele vinha da Ilha de Santa Helena, onde havia morrido em 1821 como prisioneiro dos ingleses.

Coisas ruins acontecem em todos os países do mundo, mas os franceses dão a volta por cima como nenhum outro.

A Olimpíada de Paris poderia ensinar ao mundo a gostar (e cuidar) de suas cidades. Só os franceses são capazes de ter uma Arco do Triunfo para um general corso derrotado.

A Olimpíada de Paris tem tudo para ser um grande espetáculo. Graças a ela, revitaliza-se o bairro de Saint-Denis, assim como Londres ressuscitou uma parte degradada da cidade. Era como se fizessem parte das competições em São Gonçalo. (O Rio fez a Olimpíada na Barra da Tijuca e deu no que deu.)

Os franceses amam Paris e desse amor resultou também a paixão do mundo pela cidade. Em 2024 todo mundo gosta da Torre Eiffel. Em 1887, quando seu projeto foi anunciado, os escritores Alexandre Dumas e Guy de Maupassant, mais o pintor Ernest Meissonier (autor da inspiração do “Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo), assinaram uma petição condenando-o. Chamavam-na de “Torre de Babel”.

A bandeira da França foi hasteada na Torre em março de 1889. Semanas depois nasceu Adolf Hitler, que teve a sua suástica hasteada em 1940 e visitou-a. Quatro anos depois, em 25/8, as tropas aliadas retomaram a cidade. No dia seguinte, o general De Gaulle subiu heroicamente a Avenida dos Campos Elísios. (Nos escalões avançados não havia soldados negros.)

Londres saiu maior da Olimpíada e tudo indica que com Paris acontecerá o mesmo. De Barcelona, nem se fale.

O Rio, saiu igual, com um espeto de bilhões de reais. É melhor fazer de conta que aquela Olimpíada não aconteceu.

Questão de estilo 1

A França usou a Olimpíada para divulgar suas marcas, como a Vuitton. O Comitê Olímpico Brasileiro contratou um uniforme para os atletas no escurinho da cartolagem.

Como bem definiu Joanna Moura, “formam um conjunto desatualizado, com um design não apenas conservador como preguiçoso.”

Algumas jaquetas parecem peças de Maria Bonita, a mulher do cangaceiro Lampião.

É uma questão de estilo. No século XIX, Louis Vuitton fornecia as malas da imperatriz Eugênia, mulher de Napoleão III. Até aí, era mais um fornecedor. Vuitton ia além: ia ao palácio e arrumava as malas da senhora.

Questão de estilo 2

Ruy Castro informa: A casa do Rio de Carmen Miranda, na Travessa do Comércio, está desabando. A casa em que na infância viveu a cantora Édith Piaf, de 1917 e 1923, está em melhor estado que o Palácio da Alvorada.

Jogo do contente

Joe Biden vem se despedindo da presidência dos EUA com altivez e frases bonitas. Como a simpatia por Donald Trump pelo mundo afora é baixa, fica a impressão de que a subida de Kamala Harris para a cabeça da chapa Democrata é uma solução quase mágica. Falso.

Biden saiu da disputa porque a sua capacidade foi questionada após o debate.

Quanto a Harris, ela entrou na disputa melhorando a posição dos Democratas nas pesquisas. Contudo, seu desempenho como vice foi lastimável. Ela parecia seguir a lei de Stanislaw Ponte Preta (1923-1968): “O vice-presidente acorda mais cedo para passar mais tempo sem fazer nada.”

Kamala Harris poderá derrotar Trump, mas terá que gastar a sola do sapato. Tomara.

A maldição dos R$ 6

A gasolina bateu a marca dos R$ 6. É um mau número, mas pode-se conviver com ele. Na semana passada o dólar dobrou a esquina dos R$ 5,50.

Dólar a R$ 6 é algo que o governo não espera.

Segurança pública

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, anunciou mais um grande plano para a segurança pública. Mais um.

Para quem acompanha o funcionamento de sua pasta, faria melhor se organizasse sua tropa. Lá, as coisas vão mal, começando pela desordem das agendas, que submetem visitantes (até ilustres) a constrangedores chás de cadeira.

Os hierarcas de Brasília acham que mandam. Deveriam guardar na memória um acontecimento de 1966. Num choque do presidente Castelo Branco com Adauto Lúcio Cardoso, presidente da Câmara dos Deputados, o marechal resolveu fechar a Casa.

Para esvaziar o prédio, decidiram cortar-lhe a energia. À hora em que a luz seria cortada, pelo menos dois poderosos foram para a janela do Planalto para ver a cena.

Apagaram-se as luzes do Planalto.

Bolsonaro imutável

Jair Bolsonaro não muda. Descobriu uma maneira de implicar com a senadora Tereza Cristina a partir de uma questão municipal de Campo Grande (MS).

Buscetta e Pasquino

No século passado a temida polícia do delegado Sérgio Fleury interrogou o mafioso italiano Tommaso Buscetta à sua maneira e dele nada arrancou. Isso se deveu em parte à omertà (lei do silêncio) do mafioso e também ao fato de que ele não operava com a bandidagem brasileira.

Anos depois, Buscetta fez acordos com o Ministério Público italiano e com a polícia americana, detonando a Máfia.

O caso de Vincenzo Pasquino é inverso, o mafioso tinha conexões e negócios com as quadrilhas dos Primeiro Comando da Capital e do Comando Vermelho. Se a PGR e a PF se organizarem direito, ele poderá entregar as conexões do crime organizado brasileiro com pedaços do andar de cima. Em tempo, assim como fizeram no caso de Marielle Franco, os maganos já estão trabalhando para embaralhar as investigações.

O valor do silêncio

De um diplomata americano ao tempo em que a Venezuela era governada pelo coronel Hugo Chávez. Não digam que eu falei isso, mas brigar com o Chávez é como você entrar num chiqueiro para agarrar um porco. Vai perder.

O mesmo vale para o risco de se alimentar bate-bocas com Nicolás Maduro. O americano simplesmente ignorava o venezuelano.

Exemplo do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça está montando uma plataforma que unificará as consultas processuais junto a todos os tribunais do país. Se tudo correr bem, ficará pronta em dezembro. Se o Ministério da Justiça e a Casa Civil estiverem interessados, podem copiar a iniciativa, fazendo com que as informações dos governos sobre segurança pública falem umas com as outras.

Haddad encanta

Fernando Haddad é um encantador de serpentes. Com a meta do déficit público desacreditada e os ministros brigando para não cortar R$ 65 bilhões, ele propõe um imposto para os bilionários. Se esse imposto mundial não colar, a culpa será dos outros.

Alguma coisa mudou

As eleições municipais não antecipam os resultados presidenciais, mas colocam sinais no tabuleiro. A de 2020 sinalizou que a força do vendaval de 2016 havia perdido vigor.

Em 2022 muita gente dava como certa a eleição de um Bolsonaro para a prefeitura do Rio. Nenhum Bolsonaro foi para a pista e Alexandre Ramagem, afilhado do capitão, está devagar, parando. Vale lembrar que Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, era vice de Bruno Covas. Seu bolsonarismo, além de parcial, é de ocasião.

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