domingo, 7 de julho de 2024

A GRANDE BATALHA É A DEMOCRÁTICA

Míriam Leitão, O Globo

A agenda nociva da extrema direita em questões vitais, como o meio ambiente, mostra que os dilemas do mundo atual só serão enfrentados na democracia

A grande batalha, aqui e no mundo, neste momento da História, é a democrática. Esquerda e centro que não entenderem isso perderão, com reflexos na vida do planeta. A direita moderada que relativizar seus valores e se aproximar da extrema direita, por conveniência ou cálculo político, estará fortalecendo a corrente antidemocrática que avança em vários países. Só na democracia será possível enfrentar os difíceis dilemas do mundo como o extremo climático, a inclusão dos mais vulneráveis, a adaptação da educação à revolução tecnológica. A agenda dos extremistas de direita negligencia todas as questões vitais e ainda ameaça o pacto social que nos levou à democracia.

Os exemplos estão em toda a parte. Os franceses da esquerda e do centro têm hoje a chance de, unidos, vencerem a extrema-direita. Nos Estados Unidos, pior do que as demonstrações de fragilidade de Joe Biden, que parecem evidentes, é a falha da institucionalidade americana da qual eles tanto se orgulhavam. Nos últimos dias, Donald Trump colheu mais frutos dessa fraqueza da democracia e avançou para o seu objetivo. O sistema eleitoral, pensado pelos pais fundadores, é indireto e menos democrático do que o de outros países. Por outro lado, prometia blindar o sistema contra aventureiros. Foi assaltado por um aventureiro e quase sucumbiu. Agora aceita correr risco de novo.

No Brasil, houve mais empenho do que nos Estados Unidos em punir os que se envolveram na tentativa de golpe de Estado. Jair Bolsonaro está inelegível e pode terminar o ano indiciado em vários processos, mas toda a direita hoje é caudatária do candidato a caudilho. Ela não se separou do discurso que envolveu a aventura bolsonarista. Os candidatos a ocupar o espaço do ex-presidente estão deixando claro que são leais àquele ideário. Não estão abrindo uma divergência, não estão fazendo reparos aos métodos e objetivos de quem tentou armar um golpe de estado no país. Igualam-se e colocam a República em perigo.

A esquerda precisa escolher melhor as batalhas que vai lutar e entender qual é o perigo principal. Nos últimos dias, o presidente Lula encantou parte de seu partido com os ataques ao presidente do Banco Central, à autonomia do BC, e ao “mercado”. Mas de todas as suas palavras resultou o que? Alta do dólar. Esse é o canal pelo qual as especulações e expectativas encontram o mundo real. Um BC autônomo é melhor para a estabilidade da economia. O que exatamente poderia acontecer se vingasse uma proposta de revogar a autonomia? Haveria uma desconfiança dos agentes econômicos, em geral, e não apenas dos operadores do mercado financeiro, no compromisso do BC de agir contra a inflação, o que levaria a mais inflação.

No Congresso, há sempre o risco de um projeto ruim sair da gaveta a qualquer momento e ser aprovado. Acabamos de ver a maneira sorrateira com que algumas propostas retrógradas avançam. Mesmo na Reforma tributária, que é um evidente avanço, o risco é acabar se aceitando o absurdo de reduzir o imposto sobre armas de fogo. Seria o preço a pagar pela reforma, dizem os pragmáticos. Mas é aceitável que o governo Lula faça uma reforma que, por imposição da bancada da bala e do PL, acabe reduzindo o tributo sobre armas de fogo?

A democracia é um valor em si. Mas é também porta para outros avanços. O Pantanal arde, o pampa submerge, rios amazônicos vão perdendo água, o lençol freático encolhe. Quem tem a proposta de proteção e regeneração do meio ambiente, atitude de ouvir a ciência e compromisso de redução das emissões de gases de efeito estufa são as forças progressistas. A direita, principalmente a extrema que nos governou por quatro anos, deixou absolutamente claro que o seu projeto é continuar liquidando o patrimônio ambiental brasileiro.

A corrupção precisa ser combatida. Porque do contrário parte da opinião pública será capturada pelo discurso do falso moralista. Empresários amigos não podem ter desconto nas multas que se comprometeram a pagar por terem confessado atos ilícitos, não podem ser recriados os cenários que levaram a atos lesivos aos interesses públicos, os erros da Lava Jato não invalidam o projeto de combater a corrupção e aumentar a transparência. Errar nisso será altamente danoso. O pacto democrático exige mais estratégia, melhor escolha de alvos e noção do perigo.

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