Em áudio obtido
pelos investigadores, chefe de departamento diz que alguns presentes não eram
registrados oficialmente
A Polícia
Federal descreve no inquérito
das joias o funcionamento de uma máquina que reproduz marcas
conhecidas da relação de Jair
Bolsonaro com o poder. Uma delas é o uso das estruturas oficiais do
governo para fins particulares. Outra é a confusão deliberada entre bens
públicos e patrimônio privado.
Esses dois desvios
aparecem no que poderia ser descrito como uma espécie de "caixa dois"
de presentes
recebidos pelo então presidente. Segundo a PF, o departamento responsável
pela catalogação desses bens deixava de registrar certos itens quando Bolsonaro
manifestava interesse neles.
Pelas
regras, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica tinha o dever de produzir
uma lista de presentes entregues a Bolsonaro. Em seguida, eles poderiam ser
incorporados ao acervo público ou ao acervo privado do presidente, a partir de
uma análise técnica.
Mas o
militar da Marinha que chefiava o órgão, dizem os investigadores,
"dava tratamento aos presentes conforme os interesses do chefe do
Executivo". Numa troca de mensagens de áudio com um funcionário do setor
administrativo do Palácio da Alvorada, o capitão de corveta Marcelo Vieira recomenda
que alguns itens não sejam catalogados.
"Se o
presidente falar: 'Eu quero agora sem registro', não manda para o GADH
registrar, não preenche a papeleta", disse. Vieira afirmou que esse
procedimento deveria ser feito para objetos que Bolsonaro gostaria de "usar
na vida cotidiana". Nesses casos, determinou: "Você pode guardar lá,
só que isso não dá entrada oficialmente".
A recomendação veio
acompanhada de um alerta: a omissão dos bens só deveria ser feita quando a
entrega dos presentes não fosse pública. "Teve registro fotográfico? Quem
deu, foi uma autoridade?", questionou. "Tem que ter todo um cuidado
pra que a gente não exponha o presidente".
A conversa de Vieira
com o funcionário do Alvorada ocorreu em setembro de 2021 e tratava de um
conjunto de seis facas recebidas por Bolsonaro. A PF, porém, afirma que o modus
operandi foi usado para ocultar o relógio Patek Philippe que Bolsonaro recebeu
em visita ao Bahrein e seria vendido no ano seguinte.
O diálogo contradiz
o depoimento de Vieira aos investigadores. Na ocasião, ele disse que a
avaliação dos bens não levava em conta o valor ou o "gosto do
presidente". Afirmou ainda que todos os presentes seriam direcionados ao
acervo público ou ao acervo privado
O advogado de
Marcelo Vieira afirma que o indiciamento é resultado "de uma desmedida
tentativa de perseguição a outras pessoas" e que as atividades de seu
cliente no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica "foram realizadas no
sentido de manter total zelo e cuidado" com bens públicos.
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