quinta-feira, 18 de julho de 2024

O CÍRCULO VICIOSO DA POLÍTICA MODERNA

Janan Ganesh*, Financial Times / Valor Econômico

O ódio aos políticos afasta as pessoas boas da atividade, o que piora o governo, o que faz com que os eleitores odeiem ainda mais os políticos

Na última vez que um presidente dos Estados Unidos quase foi assassinado, a maior parte do mundo rico, mesmo tendo repudiado o ato, podia classificá-lo como peculiarmente americano. Por isso, vale a pena listar algumas das medidas de segurança utilizadas pelos parlamentares do Reino Unido nos últimos anos. Alarmes de pânico móveis. Coletes à prova de balas. Seguranças pessoais. Evitar eventos planejados e passeios não essenciais. Um esforço da polícia nacional denominado Operação Bridger agora foi ampliado para proteger os representantes eleitos fora do Parlamento.

Um país onde a violência política era rara, pelo menos fora do contexto da guerra dos Troubles, perdeu dois parlamentares por assassinato desde 2016. Candidatos nas eleições francesas recentes também foram atacados. O ministro do Interior da Alemanha cita uma “escalada da violência antidemocrática”.

Quase todo mundo deplora esses ataques. O problema é que depois disso o consenso se desfaz. O espectro de comportamento que vai até a linha da violência, mas não a ultrapassa, inspira menos preocupação ou mesmo interesse do que deveria. O assédio aos candidatos nas eleições britânicas foi recebido com uma frieza sinistra. Sendo claro, portanto: a cultura contra os políticos é errada em si mesma. Mas mais do que isso, ela se reforça.

Este é o círculo vicioso da política moderna: ela é uma linha de trabalho cada vez mais desagradável, o que significa que menos pessoas competentes a escolhem, o que empobrece a qualidade da vida pública - ou seja, da governança em si e do comportamento daqueles responsáveis por ela -, o que por sua vez torna os eleitores mais hostis com os políticos. E o ciclo se repete.

Não há como separar a questão de, digamos, como uma nação com mais de 330 milhões de habitantes chega a ter um candidato de 81 anos contra outro de 78 em uma corrida presidencial, das ameaças a servidores públicos e da dificuldade geral da “política de linha de frente”. (Que conotação marcial essa expressão tem agora!) Você acha que deveria haver pessoas melhores na política? Bem, fique à vontade, leitor. Você primeiro.

A questão se aplica ainda mais nesse vácuo de deferência que chamamos de Reino Unido. A velocidade com que Rishi Sunak, que poderia ter sido um bom primeiro-ministro com mais uma década de experiência, entrou no número 11 da Downing Street, e depois no número 10, é um testemunho de sua determinação, sim, mas também do espantoso nível da competição.

A violência real é pior do que a intimidação, que é pior do que o abuso verbal, que é pior do que a atenção invasiva, que é pior do que o cinismo reflexivo, quase aprendido mecanicamente, que agora é a rotina comum do político diante do público. (“Por que eu deveria acreditar em qualquer palavra do que você diz?” etc). Mas todos têm o mesmo efeito. Todos afastam indivíduos capazes - que podemos definir como aqueles com boas opções de carreira em outros lugares - ou até mesmo pessoas bem ajustadas e não masoquistas. O perigo é a política se tornar uma espécie de mercado para pessoas que não alcançariam status semelhante em outra área ou que anseiam por atenção, por mais brutal que seja. É tentador aqui inverter a frase de Groucho Marx frequentemente citada sobre clubes e seus membros. O Parlamento não deveria aceitar ninguém que considerasse se juntar a ele.

Este argumento incorrerá sempre na queixa da romantização do passado. Não existe uma medida objetiva da “qualidade” dos políticos, quanto mais uma que mostre conclusivamente que a situação piorou. Nem é um axioma que uma pessoa de elevada competência geral prospere no domínio peculiar da política. Robert McNamara foi uma joia da sua geração americana - astro da Harvard Business School, gênio da Ford Motor Company - e um chefe do Pentágono tragicamente desajeitado durante a Guerra do Vietnã. O gabinete de John Major no Reino Unido na década de 90 estava cheio de pessoas que teriam florescido na vida acadêmica, empresarial ou profissional (e muitas o fizeram). Mas os eleitores odiaram.

Por um período suficientemente longo, porém, uma nação é melhor governada - em vez de pior - se as pessoas com outras oportunidades de carreira as trocarem pela política. Os obcecados sempre serão voluntários. Os apáticos, nunca o farão. É o caso periférico, o indeciso que tem uma vida de anonimato próspero aberta para si, que precisa ser seduzido.

É natural atribuir o sentimento contra os políticos aos fracassos governamentais: as guerras mal-sucedidas, a má regulação dos bancos, o impressionante feito do Estado britânico em aumentar os impostos e deteriorar as rendas. Não há uma curiosidade semelhante sobre a origem desses fracassos. E se a ligação causal funcionar na direção oposta? E se um Estado inepto for o fruto final da antipolítica?

O Congresso é a instituição menos confiável nas pesquisas americanas porque é tão ruim, ou é tão ruim porque é desacreditado, e desse modo desencorajador para aqueles que de outra forma entrariam para ele e o elevariam? Ridicularizar a classe política é um direito. Mas a piada, no final das contas, é sobre nós. (Tradução de Mário Zamarian)

*Janan Ganesh é editor do Financial Times.

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