domingo, 25 de agosto de 2024

A FORÇA DE MARÇAL

Pablo Ortellado, O Globo

Força de Marçal não está nos 'cortes', mas na mensagem

Direita populista tem um discurso que ressoa com o público

Pablo Marçal está atualmente empatado em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para prefeito de São Paulo, ao lado de Guilherme Boulos e Ricardo Nunes, de acordo com a pesquisa Datafolha. Analistas começaram a atribuir sua ascensão meteórica à estratégia sofisticada de produção e disseminação de vídeos curtos, chamados “cortes”, distribuídos de forma viral em plataformas como o TikTok. Marçal engajou adolescentes em competições remuneradas, em que eram premiados aqueles que conseguissem viralizar seus vídeos mais rapidamente. Mas será que essa é realmente a razão de seu sucesso nas pesquisas?

Nos últimos anos, o entendimento sobre o apelo popular de candidatos populistas e antissistema avançou pouco. Diante da urgência do tema, é alarmante que nossa compreensão permaneça tão limitada. A morosidade se deve, em grande medida, a nossa recusa em enfrentar o problema: a direita populista tem uma mensagem que ressoa com o público.

Em vez de aceitarmos a dura realidade, inventamos desculpas e subterfúgios, atribuindo a ascensão do radicalismo de direita a causas externas exageradas ou ilusórias, que justificam nossa inação. Preferimos a confortável ilusão de que estamos no caminho certo, mas acabamos surpreendidos por forças poderosas e ocultas que surgem não sabemos bem de onde.

Vejamos as eleições presidenciais de 2018 no Brasil. Muitas análises até hoje creditam o sucesso de Bolsonaro aos disparos em massa no WhatsApp. Embora tenham de fato ocorrido e tenham relevância jurídica, visto que violaram a legislação eleitoral, foram mesmo eles que garantiram a vitória de Bolsonaro? Quem se debruçou sobre os disparos sabe que foram caros, ineficientes (afinal, eram spam) e muito menos maciços do que geralmente se acredita. Se tiver dúvidas, pergunte aos mais próximos quantos receberam algum desses disparos.

Infelizmente, a postura que tenta escapar dos problemas difíceis não é exclusiva do Brasil. Nos Estados Unidos, a ascensão de Trump ainda é frequentemente atribuída à Cambridge Analytica ou à interferência russa. A Cambridge Analytica, empresa de marketing digital contratada por Trump, usou ilegalmente dados de usuários do Facebook para criar propaganda personalizada para diferentes tipos de perfil. Apesar disso, poucos estudiosos consideram que a estratégia tenha sido eficaz. Da mesma forma, a interferência russa, apesar de ter impulsionado conteúdos divisivos durante a campanha de 2016, teve alcance limitado e dificilmente impactou significativamente as eleições. Ainda assim, é comum ouvir lideranças democratas e analistas nos jornais atribuindo a vitória de Trump em 2016 aos dois fatores.

No Brasil, a lista de desculpas que adotamos é longa. Além dos disparos em massa, falamos da “mamadeira de piroca”, das campanhas de desinformação, dos grupos de WhatsApp do “Carluxo”, da genialidade maligna de Steve Bannon, das redes ocultas de financiamento empresarial, do grande domínio da direita nas redes e, claro, dos algoritmos enviesados das plataformas digitais. Falamos muito de todas essas causas externas, mas raramente encaramos os verdadeiros problemas: as falhas do nosso sistema político, a cisão moral gerada pelas guerras culturais e a incapacidade das forças políticas tradicionais de apresentar uma alternativa convincente à oferecida pela nova direita.

Não quero minimizar a importância jurídica das denúncias sobre os “cortes” de Marçal. Ao que tudo indica, pagar a adolescentes para produzir e distribuir vídeos com recursos não declarados é flagrantemente ilegal, conforme as normas da Justiça Eleitoral. Se isso for comprovado, Marçal deve ser punido com a força da lei. Mas essa não é a questão central.

O verdadeiro problema surge quando atribuímos a força de sua candidatura ao emprego desse expediente. Marçal desenvolveu uma estratégia de campanha on-line muito eficiente e soube fazer bom uso da presença nos debates televisivos. No entanto nada disso seria suficiente se seus ataques indignados ao sistema, à ineficiência do setor público e à leniência com a corrupção e o crime não encontrassem eco em parcela significativa da população. É para esse ponto que precisamos olhar se quisermos encontrar uma solução que esvazie de força política a perigosa direita populista.

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