sábado, 31 de agosto de 2024

NA BRIGA ENTRE MUSK E STF, QUEM PERDE É A DEMOCRACIA

Pablo Ortellado, O Globo

A disputa entre Elon Musk e Alexandre de Moraes tem provocado defesas apaixonadas e unilaterais, alimentadas pela dinâmica polarizada que exige apoio entusiasmado ao adversário do inimigo. Uma análise cuidadosa sugere, porém, que os dois, Musk e Moraes, cada um a sua maneira, contribuem para o enfraquecimento da democracia brasileira.

Os inquéritos dos movimentos antidemocráticos conduzidos por Moraes apresentam problemas de forma, como já discuti noutras ocasiões nesta coluna, mas também de conteúdo. No que se refere às publicações nas mídias sociais com conteúdos ilícitos, Moraes tem adotado uma abordagem mão pesada.

No passado, a punição-padrão para uma publicação considerada ilícita pela Justiça era a exclusão dela especificamente. Considerava-se que a exclusão da conta do infrator configurava censura prévia, uma vez que o impedia de cometer um novo ato ilícito antes mesmo de ser cometido. Os inquéritos do STF, porém, tornaram triviais as suspensões de contas, em vez de apenas das publicações problemáticas.

Entre o final de 2022 e o início de 2023, quando o país assistia a campanhas maciças que incentivavam intervenção militar, parecia razoável, diante da urgência, suspender contas que publicavam conteúdos ilícitos de maneira reiterada. Contudo, depois do fim do movimento golpista e da prisão dos líderes, não há mais justificativa para suspender contas inteiras. E a censura prévia não é o único problema. As ordens de exclusão são dadas sem que os envolvidos tenham a oportunidade de se defender — são decididas sem o devido contraditório, em segredo de Justiça.

Nada disso, é claro, justifica a resposta moleque de Elon Musk. O empresário determinou que o X tornasse público os pedidos de suspensão de contas que corriam em segredo de Justiça. Moraes dobrou a aposta e ameaçou prender o representante da empresa se suas determinações não fossem cumpridas. Musk então determinou o fechamento da subsidiária da empresa no Brasil e desligou seu representante legal. Enquanto a disputa crescia, Musk tratava com escárnio as tentativas da Justiça de enquadrá-lo.

Nas últimas semanas, a Justiça brasileira tentou de todas as formas intimar o X, que não tinha mais representante ou advogado constituído no país. Foi apenas diante desse impasse que Moraes determinou à Anatel o bloqueio da rede, depois de inúmeras tentativas de contato e de a empresa acumular R$ 18 milhões em multas.

Desobedecer à Justiça brasileira é uma resposta ilegal e inaceitável, independentemente do que possamos achar da suspensão de contas. Qualquer empresa de mídia social que tome medidas para escapar do alcance da Justiça deve ser suspensa no país, já que se recusa a seguir a lei brasileira. Musk sabe disso e, embora se coloque como vítima de um ditador, provocou deliberadamente essa resposta sobre si.

A provocação moleque de Musk custará caro. O Brasil é o sexto país com mais usuários do X (cerca de 22 milhões) e deve corresponder, aproximadamente, a 3,5% das receitas da empresa (pouco mais de US$ 100 milhões). Além do prejuízo financeiro, a recusa em se submeter à Justiça brasileira acenderá todos os sinais amarelos dos reguladores pelo mundo, sobretudo os rigorosos europeus. Se ele se dá o direito de não cumprir uma decisão por aqui, poderá fazer o mesmo noutras partes.

Embora o bloqueio do X seja justificado, Moraes mais uma vez agiu de forma precipitada e excessiva. Além de bloquear a plataforma, impôs uma multa abusiva de R$ 50 mil para qualquer usuário que tentar acessar o X por meio de VPN — medida que esperaríamos de uma ditadura chinesa, e não de um Supremo brasileiro. Também não tomou o cuidado de divulgar as várias tentativas de notificação à empresa. Isso poderia ter preparado o público, ao longo das últimas semanas, para a suspensão iminente. Como resultado, a decisão foi percebida como abrupta e arbitrária. Esse cuidado com a legitimidade da medida perante o público foi negligenciado porque Moraes não parece sentir necessidade de prestar contas. No entanto, numa democracia, quem detém poderes excepcionais, como os de Moraes, deve justificar cada ação. A postura arrogante de se colocar como salvador da democracia, que não deve satisfações a ninguém porque sua missão é nobre, é um dos principais fatores para que 40% da população não confie no STF.

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